Em entrevista à agência Lusa, o antigo ministro das Finanças diz ver "com muita preocupação" a solução encontrada para o Banif, que foi comprado pelo Santander Totta por 150 milhões de euros, no âmbito de uma medida de resolução determinada pelo Banco de Portugal (BdP) em dezembro do ano passado.

Bagão Félix entende que "há muito nevoeiro que tem de se dissipar" e lamenta o "jogo do empurra" de culpas e de responsabilidades, considerando que "todos se empurram uns para os outros, o Banco Central Europeu [BCE] para o BdP, o BdP para o BCE, o Governo para o BdP", o que faz com que seja "uma responsabilidade muito diluída e muito difusa".

O antigo vice-governador do BdP afirmou que a solução encontrada para o Banif foi "uma coisa feita à pressa porque no dia 01 de janeiro entrava [em vigor] o sistema de resgate interno".

"Não há nada como sacrificar os que não têm possibilidade de contestar, que são os contribuintes, que são os que não tem qualquer alternativa e acabam por pagar", disse, reiterando que há ainda muitas questões por responder.

Bagão Félix recorda que, antes da medida de resolução, os rácios de capital, de solvabilidade e de liquidez imediata do Banif eram "satisfatórios e acima dos mínimos", que o banco "estava num processo de desalavancagem de ativos", que foram avaliados a preços que considera "muito distantes da realidade, o que levou à deterioração das condições do banco".

O economista referiu-se a uma carta "escrita pela principal dirigente supervisora do BCE ao BdP", em que Frankfurt "dizia que não há mais hipótese, que [a venda] tem de ser nestas condições e para o banco Santander", e afirmou mesmo que "esta também foi uma forma de recapitalizar o Santander, comprando por 150 milhões de euros um excelente 'filet mignon' despojado de tudo o que é mau".

Para Bagão Félix, isto "não se consegue compreender" e "aqui as coisas carecem de esclarecimento e de transparência, porque de facto a fatura vai para os contribuintes [que] têm de perceber porque pagam esta fatura".

O ex-governante considera que também quanto ao Novo Banco "se exige alguma explicação", depois de o BdP ter decidido, a 29 de dezembro, passar para o Banco Espírito Santo (BES) a responsabilidade pelas obrigações não subordinadas ou seniores destinadas a investidores institucionais e que, na resolução do BES, a 03 de agosto de 2014, ficaram sob a responsabilidade do Novo Banco.

Bagão Félix afirmou que, nos testes de 'stress' feitos pelo BCE aos maiores bancos europeus, "só nas condições devastadoras é que o Novo Banco entrava numa situação de não cumprir os rácios", mas "nas outras cumpria perfeitamente".

"A maior parte dos bancos europeus, os 'too big to fail' [demasiado grandes para falir], também não resistiriam a esses testes de 'stress' nas condições devastadoras, o que me leva a crer que tem de haver uns banquinhos relativamente mais pequenos que servem de cobaia, de teste, de experimentalismo e para robustecer esses mesmos bancos europeus", lamentou.

O economista referiu ainda que, no caso português, os quatro bancos que tiveram dificuldades acabaram por ter soluções diferentes: "o BPN foi nacionalização, o BPP foi liquidação, o Banif, que não chega a 4% do mercado, é uma mistura de resolução por via de 'bail-out' e também de algum 'bail-in' [resgate interno], e o Novo Banco é um bail-in", disse, reiterando que "é demasiado experimentalismo".

Quanto à prestação do BdP, Bagão Félix começa por dizer que "imputar ao BdP uma cultura de negociação é um erro".

"Fui vice-governador do BdP há 20 anos e o BdP não tem cultura negocial. Portanto, não é que seja mais ou menos competente, não tem essa cultura", explicou, lamentando, no entanto, que haja a ideia de que, "quando as coisas correm mal, a culpa nunca é dos governos, é do BdP".

"Coitado, o BdP tem as costas muito largas. E não estou a desculpar o BdP - acho que o banco não tem cultura para este tipo de coisas - mas não estava preparado, como aliás o BCE também não está preparado", afirmou.

Bagão Félix disse ainda não compreender que, "havendo custo para os contribuintes, o problema seja deixado para uma instituição que não é democraticamente escrutinada, na Europa, o BCE, em Portugal, o BdP".

"De repente, o BdP diz que vamos ter de pagar dois mil a três mil milhões de euros por um banco que não chega a 4% do mercado, imputando aos contribuintes... O BdP imputando aos contribuintes? Como é isso? A última palavra tem de ser dos poderes democraticamente eleitos", defendeu.

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