Depois de várias décadas onde o comércio internacional conheceu uma tendência única, rumo à liberalização, as tarifas voltaram a ser tema no debate público e arma nas relações internacionais. No que depender do Presidente dos Estados Unidos da América (EUA), o seu entusiasta número um, estas barreiras alfandegárias vieram mesmo para ficar. Se é rival ou aliado, não importa. E o motivo tampouco, visto que tudo serve de justificação.

Donald Trump é um homem errático, sendo as tarifas a exceção que comprova a regra: a taxa pode flutuar, mas tende a subir progressivamente e a consolidar-se como um fenómeno estrutural da nova ordem económica internacional. Gostemos ou não, Trump deixou a sua marca - o mundo de ontem acabou. Para os novos EUA, além do comércio livre ter passado a fator negativo, o centro geopolítico deslocou-se do Atlântico para o Pacífico, e a força bruta nas relações bilaterais destronou o respeito pelas instituições multilaterais da diplomacia.

E a União Europeia, que sempre se destacou pela convicção nas teorias benevolentes sobre o “fim da História”, não pode simplesmente resignar-se a suspiros de lamento. Face às condicionantes no acesso ao mercado norte-americano e recuo geral da globalização, é preciso encontrar alternativas. A resposta mais óbvia é procurar novos destinos para exportar produção industrial.

António Costa, presidente do Conselho Europeu, manifestou apoio à concretização do acordo comercial entre UE e Mercosul - bloco económico de 280 milhões de pessoas na América do Sul. Não é uma força económica equiparável aos EUA, mas teria uma importância redobrada para Portugal, face à nossa geografia orientada para o Atlântico e, em particular, ao fortalecer os laços com o Brasil.

Há também quem se deixe aliciar pelo potencial e dimensão da China. No entanto, além do historial em matéria de direitos humanos, o padrão comercial e de consumo não podia estar mais distante do americano. A China é uma economia de exportação, ou seja, parece-se mais com a própria UE. É, por isso, concorrente na procura de novos mercados.

Nesse sentido, perante as dificuldades que se adivinham na reconfiguração do comércio global, quero partilhar uma alternativa. Trata-se, em simultâneo, de um ângulo morto e de uma solução à vista de todos. É tema de discursos há largas décadas, mas teima em sair do papel. Chama-se mercado único da União Europeia e é um gigante adormecido, com 450 milhões de cidadãos.

De acordo com um estudo recente do FMI, as barreiras ao comércio de bens dentro do mercado interno da União Europeia representam, em média, o equivalente a uma tarifa de 44%. Nos serviços, esse valor dispara para 110%. É como se existisse um Trump invisível entre nós, dedicado a colocar restrições ao comércio entre Estados-membros.

Desde os meados da década de 90, os custos no comércio de mercadorias intra-UE diminuíram apenas 11%, menos até do que a redução para as importações extracomunitárias. Assim, não é surpreendente que as trocas entre Estados-membros representem menos de metade do comércio transfronteiriço entre os estados norte-americanos. O potencial desperdiçado é tremendo. A começar pela coluna vertebral da nossa economia, as pequenas e médias empresas.

Podem ser competitivas no seu setor e ter um perfil inovador, mas as perspetivas de crescer para pesos pesados, de reforçar a oferta de emprego qualificado e melhorar remunerações são limitadas devido à ausência de escala. E enquanto o acesso ao mercado interno não for desbloqueado, o problema manter-se-á.

Além disso, as PME em fase de crescimento estão sujeitas à concorrência feroz de multinacionais gigantes. Muitas destas crescem no seu mercado doméstico - sobretudo americano ou chinês - pelo que entram no mercado europeu já com dimensão suficiente para contratar batalhões de advogados que naveguem a manta de retalhos e barreiras que são os 27 regimes jurídicos nacionais.

Esta fragmentação do mercado comum não será motivo único, mas contribuiu certamente para a perda de competitividade europeia ao longo das últimas décadas. Para que se perceba a dimensão do problema: há 20 anos, o PIB da Zona Euro era semelhante ao Americano, hoje está mais perto de ser apenas metade.

A Europa não é casa das principais empresas tecnológicas. Não está a liderar em inteligência artificial (EUA), nem em várias componentes fundamentais das tecnologias verdes (China). Não há garantias que seja capaz de manter a sua posição até em sectores tradicionalmente europeus, como a indústria automóvel. É preciso mudar este registo, agora.

Sendo certo que não existem panaceias, qualquer estratégia europeia para a competitividade deve considerar uma multitude de desafios: atração de investigadores em ciências de ponta, retendo também os nossos jovens qualificados; combate à concorrência desleal de atores externos, nomeadamente quando contornam regras aduaneiras; potenciar investimento público e privado, sobretudo com uma negociação ambiciosa do próximo quadro comunitário.

Ainda assim, nada disso nos deve impedir de começar pelo mais óbvio. A redução das “tarifas invisíveis” do mercado comum não permite grandes anúncios à presidente Von der Leyen, ou a Luís Montenegro. Mas permitem desbloquear um ponto de partida para colocar a UE numa rota de reflorescimento económico: o potencial do nosso tecido empresarial e trabalhadores, bem como do mercado interno europeu.