"Não deixou outra alternativa senão recorrer ao agravamento de impostos para financiar desequilíbrios provocados pela contração económica [14,8% em 2020] e por despesas excecionais de proteção sanitária, empresarial e social", disse o chefe do Governo, no parlamento, ao apresentar a proposta de lei do Orçamento do Estado para 2022, que prevê o aumento da taxa de IVA de 15 para 17%.

"Uma medida de incidência temporária, que vários países têm estado a adotar, em consequência da crise da pandemia de covid-19, estou a falar do aumento do limite da dívida interna, foi três vezes chumbada pelo PAICV neste parlamento", apontou Ulisses Correia e Silva.

Os deputados do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, na oposição desde 2016) travaram na quarta-feira a proposta do Governo cabo-verdiano de rever a lei do Orçamento e permitir aumentar o endividamento interno até 5% do PIB em casos de recessão económica ou catástrofe, alegando falta de negociação.

A proposta carecia de maioria qualificada na Assembleia Nacional, pelo que a sua aprovação dependia do voto a favor dos deputados do PAICV, que votaram contra, alegando que não houve abertura suficiente do Governo para a discutir a sua aplicação.

"Ainda estamos a ver se conseguimos fechar a iniciativa do alívio da dívida externa e se vier em tempo poderemos encontrar outras soluções para o agravamento fiscal. Mas o que o que fica aqui registado é que ao contrário do que tem estado a acontecer em países como os Estados Unidos da América, da União Europeia, que perante situações excecionais adotam medidas excecionais de proteção do emprego, das empresas e das famílias, elevando o nível do limite da dívida, aqui em Cabo Verde isso não acontece, porque há um partido que não quer que isso aconteça, é preciso que isso fique registado para a história", acusou Ulisses Correia e Silva.

Em causa está a proposta de alteração à Lei de Bases do Orçamento, que previa a possibilidade de endividamento interno de até 3% do Produto Interno Bruto (PIB), com o Governo a utilizar os impactos económicos - como a queda de quase 15% do PIB em 2020 -, e sanitários - como o aumento de despesa e queda de receitas, provocados pela pandemia de covid-19 -, para defender ser preciso acautelar estes cenários em termos legais, mas já a pensar na execução orçamental de 2022.

"Entendemos que não tendo havido essas negociações, não seria avisado, para defesa dos superiores interesses do país e dos cabo-verdianos, que alterássemos uma lei que requer maioria qualificada de dois terços 'ad aeternum' [eternamente], sem termos qualquer tipo de garantia relativamente à sua revisão no futuro", afirmou na quarta-feira o deputado Démis Almeida, na declaração de voto do PAICV.

Na votação da proposta na generalidade, já ao início da noite de quarta-feira, dos 47 deputados necessários para a sua aprovação (dois terços dos deputados presentes), votaram a favor 38 do Movimento para a Democracia (MpD, maioria) e dois da União Caboverdiana Independente e Democrática (UCID). Os 30 deputados do PAICV votaram contra a proposta, o que impediu que seguisse para discussão na especialidade e votação final.

Na mesma declaração de voto, o deputado Démis Almeida afirmou que os limites que o Governo pretendia alterar com esta proposta "careciam de negociações e de consensualização" com o PAICV, remetendo a possibilidade de voltar ao assunto no âmbito da proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2022, cuja discussão e votação vai decorrer até sexta-feira, no parlamento.

"Em termos de princípios não somos contra a revisão da lei de Bases do Orçamento do Estado", afirmou o deputado, reclamando que o partido exige uma "negociação" prévia, apesar de o Governo ter revelado que foram feitas 12 reuniões sobre esta proposta.

"Faz-se necessário rever a Lei de Bases do Orçamento, no tocante ao limite do endividamento da Administração Central, aditando-se um artigo, que permite a flexibilização dos limites orçamentais, em linha com as boas práticas internacionais", justificou o Governo na proposta recusada.

No documento, o Governo liderado por Ulisses Correia e Silva recordava que "diversos países, de acordo com recomendações de instituições internacionais especializadas, introduziram cláusulas de salvaguarda nos respetivos quadros de regras orçamentais ao longo dos últimos anos, especialmente, após a crise financeira mundial", permitindo "conferir alguma flexibilidade às regras para fazer face a eventos raros".

"Existem um conjunto de circunstâncias, que estão fora do controlo do Governo, tais como recessão económica grave, catástrofe natural, catástrofes sanitárias e outras, bem como emergências públicas, que determinam o princípio de flexibilização das regras orçamentais", lê-se ainda.

Em concreto, a alteração proposta à lei que estabelece as Bases do Orçamento do Estado definia que "nos casos de recessão económica, catástrofe natural e sanitária, bem como de emergência pública, com impacto na diminuição de receitas e ou no aumento de despesas", o défice do Orçamento do Estado financiado com recursos internos pode "exceder 3% do PIB a preço de mercado, não podendo ultrapassar 5% do mesmo".

Também previa que o saldo corrente primário possa ser negativo, "não podendo ultrapassar o limite de 6% do PIB".

Esta proposta era semelhante à alteração pontual proposta pelo executivo na discussão do Orçamento do Estado para 2021, em dezembro, e do Orçamento Retificativo para este ano, em julho.

Em ambas as circunstâncias, essa alteração pontual foi 'chumbada', devido aos votos contra dos deputados do PAICV, apesar dos votos a favor da bancada do MpD e dos deputados da UCID.

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