
A inteligência artificial (IA) já não é uma discussão, mas uma realidade presente que provoca três reações distintas: medo, desorientação e entusiasmo.
Se observarmos os colegas, amigos e conhecidos, sentimos o contraste nas conversas. Uns assumem quase com pudor que são “digitalmente inaptos” com um sorriso tímido, outros repetem buzzwords para não parecerem ultrapassados, enquanto outros mostram entusiasmo pelo impacto da IA na gestão de equipas. O desafio para as organizações é converter estas reações, num plano concreto que transforme a tecnologia num acelerador de valor, não num motivo de ansiedade.
Medo
Expressões como “isso vai matar o pensamento crítico”, “as pessoas vão perder o emprego” e “eu acho que não preciso” são frequentes. Por outro lado, estima-se que até 30% das horas trabalhadas no sector dos serviços possam ser automatizadas. Este cenário gera ansiedade entre gestores e trabalhadores, que se preocupam com a possibilidade de substituição dos seus postos de trabalho por soluções automatizadas.
Muitas vezes, estas preocupações refletem receio de uso e, em cargos de gestão, o medo de serem ultrapassados. Muitas vezes, o receio traduz-se em atitudes defensivas, menosprezar quem quer adotar a tecnologia, ou impor regras tão restritivas que inviabilizam qualquer experiência.
Resultado? Surge a “Shadow AI”, ferramentas não autorizadas, documentos copiados para dispositivos pessoais. Porque ninguém deu contexto, método ou diretrizes claras.
Para ultrapassar este bloqueio, é crucial que as empresas abordem o medo com programas estruturados de formação e comunicação transparente, garantindo que as equipas compreendam claramente os benefícios e as limitações das tecnologias de IA.
Resumindo, é essencial requalificar as pessoas e mapear o impacto da IA nos próximos cinco anos na empresa, aproveitando o conhecimento de negócio existente. O estudo “Future of jobs” reforça que 85% das empresas planeiam apostar fortemente na requalificação e atualização dos trabalhadores, especialmente em áreas como pensamento analítico, resiliência, flexibilidade e competências digitais.
Desorientação e FOMO (fear of missing out)
Segundo a McKinsey, 74% dos CEOs planeiam acelerar projetos de IA até 2026, impulsionados pelo receio de perder vantagem competitiva. Diversos relatórios, incluindo o da Deloitte, observam a pressão para adotar IA sem uma estratégia clara, identificando a velocidade organizacional como um travão face ao ritmo da tecnologia.
Esta desorientação reforça o primeiro ponto: o medo. A idade média dos portugueses ronda os 44 anos. Muitos estão sobrecarregados com e-mails, gestão de pessoas e tarefas rotineiras, sem espaço mental para integrar novas ferramentas.
Qual o impacto? Adoção sem estrutura, ferramentas mal-usadas, que desmotivam as equipas por não verem valor acrescentado, levando à sua descontinuação e culpando as ferramentas e não a forma como foram disponibilizadas.
Consequentemente, disponibilizar ferramentas sem uma visão estratégica do seu impacto transforma-as em curto prazo em bibelôs. É importante diferenciar “disponibilizar”, do incentivo à experimentação, geralmente gerido por departamentos específicos como transformação digital ou hubs digitais. Isso permite um maior foco na experimentação, criação de casos de uso e a implementação em escala.
Entusiasmo: JOBR (joy of being relevant)
Apesar dos receios e desafios, recomendo sempre ver o copo meio cheio. Na minha opinião, a tecnologia cria novas oportunidades e potencia a inovação nas empresas, permitindo, tanto às empresas, quanto às pessoas manterem-se relevantes. Este fenómeno, conhecido como JOBR (Joy of Being Relevant), traduz-se na satisfação que surge quando os colaboradores utilizam a IA para aumentar o seu impacto e produtividade.
O Fórum Económico Mundial estima que serão criados 97 milhões de novos postos de trabalho ligados à IA até 2025, reforçando a ideia de que a tecnologia é uma alavanca de evolução profissional.
Para acelerar a implementação de IA nas empresas, é importante criar promotores de tecnologia nos diferentes departamentos, independentemente do seu nível funcional. O importante é encontrar alguém com curiosidade e vontade de experimentar e partilhar, contaminando de forma positiva o departamento e as equipas. É fundamental ter o apoio das chefias e da administração.
Um exemplo prático para facilitar a adoção da IA na gestão de equipas é utilizar frameworks de IA. Nós adaptámos todos esses frameworks do Digital Hub, complementando-os com prompts de suporte. Esses prompts ajudam a esquematizar ideias e servem como ponto de partida para as equipas, promovendo uma integração mais eficiente e estruturada da tecnologia.
Por fim, algumas falsas promessas em vídeos do Youtube e Linkedin, estão a criar a ideia que basta ter a ferramenta certa e fazer prompts, mas na verdade é fundamental ver a tecnologia como um meio para atingir objetivos estratégicos, e não como um fim em si mesma.
Mas como podemos implementar um processo de Inteligência Artificial?
A integração estratégica de Inteligência Artificial (IA), obriga a 5 passos centrais:
Passo 1: Estabelecer a Base
O primeiro passo é a definição clara dos objetivos e do âmbito do projeto. É imperativo estabelecer metas tangíveis, como aumentar a eficiência operacional ou melhorar a experiência do cliente, sempre alinhadas aos objetivos globais do negócio.
É igualmente central distinguir entre benefícios internos, como a redução de custos, e externos, como o lançamento de novos produtos.
Em paralelo, é imprescindível construir uma equipa multidisciplinar. Esta deve integrar representantes de áreas como TI, operações, marketing, atendimento ao cliente e privacidade de dados.
Recomendo o uso da matriz RACI para clarificar a função de cada elemento. Mas mais importante ainda, é necessário implementar uma ferramenta colaborativa de gestão de projetos. Muitas empresas investem em licenças de IA, mas continuam a gerir projetos em Excel, o equivalente a ter um supercarro e conduzi-lo numa estrada de terra. Simplesmente, não funciona.
Passo 2: Avaliar estado atual
Não se constrói o futuro sem saber onde estamos, esta fase concentra-se em avaliar o estado atual da organização para identificar oportunidades e riscos. Uma auditoria detalhada dos processos existentes é o ponto de partida. Utilizando ferramentas de mapeamento, é possível documentar ciclos de tempo, taxas de erro e níveis de satisfação do cliente, identificando ineficiências e pontos críticos.
Ferramentas gratuitas, como Digital Maturity Assessment (link: Open DMAT – Digital Maturity Assessment tool | European Digital Innovation Hubs Network, permitem aferir o grau de maturidade digital da empresa e definir áreas prioritárias para intervenção. Para uma estratégia de IA sólida, o mapeamento da qualidade dos dados e a criação de uma arquitetura de dados robusta são etapas obrigatórias.
Por fim, realiza-se uma análise de riscos. Questões éticas, de privacidade e de conformidade regulatória devem ser rigorosamente consideradas, com a definição de um plano de mitigação que inclua estratégias de contingência para lidar com eventuais desafios.
Ignorar esta etapa é um erro frequente: muitas empresas estão a implementar ferramentas de IA sem garantir a sua conformidade com a regulamentação europeia, um risco que pode comprometer todo o projeto e trazer multas para as empresas.
Passo 3: Definir Prioridades
Não basta identificar processos, é fundamental definir focos.
Nesta fase, o foco está em priorizar os processos com maior potencial de impacto. Devem ser avaliados processos complexos ou altamente repetitivos, como tarefas manuais ou pontos de decisão frequentes. Ferramentas de process mining ajudam a quantificar bottlenext e a identificar rapidamente as áreas que exigem intervenção prioritária.
Em paralelo, realiza-se um benchmarking competitivo para compreender como os concorrentes estão a integrar a IA generativa nas suas operações.
Com esta informação, desenvolvemos um modelo de pontuação baseado nas métricas definidas como prioritárias no projeto. Os processos são então classificados, definindo-se uma ordem lógica de implementação.
Desta forma, conseguimos tomar decisões, com base em impacto.
Passo 4: Planeamento e Desenvolvimento do Roadmap
Esta etapa organiza a implementação em fases realistas. Define-se um roadmap detalhado com objetivos de curto, médio e longo prazo, considerando a duração e os recursos necessários para cada fase.
Além disso, analisam-se as necessidades de formação e competências internas, identificando-se lacunas de conhecimento e estabelecendo-se programas de formação ou contratações necessárias para garantir a capacidade de implementar a IA.
Por fim, estimam-se os custos relacionados com tecnologia, formação e recursos humanos, assegurando que o orçamento e os recursos estão alinhados com as prioridades do projeto.
Passo 5: Implementação e Execução
Nesta fase, os planos estratégicos ganham vida e a IA generativa começa a ser integrada nos processos organizacionais. Este é o ponto onde as análises, priorizações e planeamentos anteriores se traduzem em resultados concretos.
Para garantir o sucesso, a execução deve ser orientada para resultados tangíveis, onde o processo se inicia com projetos piloto, focados em criar casos de uso escaláveis. Estes pilotos permitem validar a eficácia das soluções de IA num ambiente controlado, ajustando modelos e corrigindo erros, de forma a escalar a tecnologia.
Com base nos resultados dos pilotos, a integração da IA avança gradualmente para outros departamentos e processos. A escalabilidade deve ser sempre uma preocupação central. É essencial garantir que a infraestrutura tecnológica suporta a expansão sem comprometer o desempenho.
A Inteligência artificial é sempre um ponto de partida
A realidade é que a implementação e a adoção da IA não é uma questão de tecnologia, mas de liderança. Metade das equipas já está preparada; a outra metade carece de contexto, metodologia e espaço para explorar. A inteligência artificial não se impõe, integra-se. Mas para tal, tem que existir vontade em romper com os modelos tradicionais.
Liderar neste novo paradigma não é obedecer a ordens verticais; é assumir a responsabilidade de liderar a partir do meio, com clareza, visão e determinação.
Artigo escrito por Bruno Oliveira e publicado originalmente na Revista InforBanca.
Leciona em instituições de referência como a Lisbon Digital School, WIT Academy, IADE e IPAM, tendo formado mais de 3.000 profissionais em temas como IA Generativa, Estratégia Digital, Marketing de Influência.
Fundador de uma comunidade digital com mais de 1.900 membros, onde profissionais partilham as melhores práticas e as tendências emergentes em temas como IA e estratégia digital, promove a partilha de melhores práticas e dinâmicas recentes nessas áreas.
Reconhecido pela capacidade de traduzir tecnologia em impacto tangível para as marcas, é orador regular em webinars e eventos do sector, defendendo a IA e a inovação digital como pilares para o crescimento sustentável e para a criação de valor no mercado.