“Sabem onde é que estão as letras grandes que dizem Web Summit para tirar uma foto?”, pergunta um participante, apressado, de telemóvel na mão. Responder às numerosas questões dos visitantes que os procuram é uma função transversal a qualquer voluntário do evento.
“Abordam-nos muito”, explicam Natasha Firozali e Margarida Moser, que admitem a confusão dos primeiros dias do evento, em que não sabiam responder a quase nada. Mas, contam, nem todas as interpelações que lhes fizeram foram deste tipo. Logo no primeiro dia, conseguiram “o contacto de uma empresa promotora de concertos” que uma pessoa que as “ouviu a falar” lhes facultou, conta uma das jovens estudantes de Marketing.
Este foi precisamente um dos principais motivos que levou a voluntária ao evento. “É uma oportunidade ótima para fazer contactos”, explica: “podemos estar a falar com a pessoa certa e aparecer a oportunidade da nossa vida, nunca se sabe”.
“Achei que seria uma mais-valia”, diz também Margarida Moser, “para conhecer um bocadinho mais do mundo, cruzar-me com pessoas e ouvir coisas interessantes”. Afinal, aponta, o bilhete “é um bocadinho dispendioso” e ser voluntária dá-lhe a possibilidade de “explorar” o evento sem estes custos. Para além disto, confessa: “sempre ouvi dizer que é bom ter no currículo que se fez voluntariado na Web Summit”.
De conduzir carros de golfe a evitar que as pessoas “furem as filas”
Tendo essa possibilidade, Natasha decidiu diversificar as funções. “Num dia estive a fazer inquéritos às pessoas sobre como estava a ser a experiência, se estavam a pensar voltar para o ano e quais os motivos para terem vindo. Noutro dia estive a ajudar na logística, a indicar onde as pessoas se deviam dirigir, por exemplo, para serem revistadas nas entradas”, conta.
Já Tiago Pereira, teve uma posição “engraçada”. Depois de ter participado em duas edições da Web Summit, este ano quis “estar mais associado à parte do backstage” do evento. Escolheu ser parte da equipa de operações, sem saber que acabaria por ter a função de “conduzir os speakers de um pavilhão ao outro”, onde ocorriam os eventos.
"Para além de estar a conduzir um carrinho de golfe, posso falar com os oradores, perceber a experiência deles e o que estão a achar do evento”, conta. “É bom ter esta facilidade de comunicação com pessoas que têm posições tão altas e tanto para fazer na vida, mas que conseguem transmitir muito numa pequena viagem de poucos minutos”.
Uma vivência diferente tiveram Marta Rufino, Luisa Correia e João Pereira, cujo principal contacto foi com os participantes na entrada do recinto. Nos dias de evento, foram responsáveis por “encaminhar as pessoas para a fast track, para a fila normal ou para os locais onde podiam guardar malas grandes”, “evitar que as pessoas ‘furassem’ as filas”, se estas se formassem, e por “fazer scan do QR Code [que identifica os participantes]”.
Apesar de terem sido dias “fixes”, não escondem algumas críticas. “Acho que há demasiadas pessoas para fazer este trabalho e não era preciso estar tanta gente aqui”, diz Luísa Correia, porque “ficamos a olhar para o ar”. “Mas, tendo uma equipa que conversa é mais fácil e passa mais rápido o tempo”, apressa-se Marta a acrescentar.
Quiseram ser voluntários, porque receberam “bom feedback” de amigos que já tinham passado pela experiência e porque tinham curiosidade em “ver como era”. Aproveitar o dia livre, a que os voluntários têm direito, foi a oportunidade que tiveram para ver o que “se passava lá dentro”.
Uma prática que levanta questões
Para efeitos da Lei 71/98 de 3 de novembro, que o enquadra juridicamente em Portugal, podem ser consideradas voluntariado “ações de interesse social e comunitário realizadas de forma desinteressada por pessoas, no âmbito de projetos, programas e outras formas de intervenção ao serviço dos indivíduos, das famílias e da comunidade desenvolvidos sem fins lucrativos por entidades públicas ou privadas”.
“Todas as atividades que visem o bem comum, a partir da colaboração prestada a outras pessoas, comunidades ou associações de interesse público são lugares para a prática do voluntariado, com a condição de que as tarefas pedidas a qualquer voluntário não substituam a criação de novos postos de trabalho”, clarifica Eugénio Fonseca, Presidente da Confederação Portuguesa do Voluntariado.
No entanto, “dada a dimensão da iniciativa [Web Summit] e os montantes financeiros que a envolvem, não me parece justificável que se peça a colaboração de pessoas, a quem chamam de voluntárias, mas que prestam serviço durante todo o tempo e têm a possibilidade de só assistir a alguns momentos do encontro”, explica Eugénio Fonseca, reiterando que desconhece o destino final dos lucros financeiros alcançados com eventos deste tipo.
Em “atividades com finalidades lucrativas, existe um indício de que não se trata de voluntariado”
Um evento como a Web Summit, explica Isabel Vieira Borges, especialista em Direito do Trabalho, “pode recorrer ao voluntariado como forma de recrutamento por várias razões”. Uma delas, “minimizar despesas e custos laborais”, “adotando práticas abusivas de encapotamento de contratos de trabalho” ou “contratando pessoas com poucos recursos económicos que prestam o voluntariado apenas para poderem ter a possibilidade de assistir ao evento”.
Outros motivos podem ser o querer “associar o evento a finalidades de sustentabilidade social, com ganhos para as organizações promotoras a nível de responsabilidade social corporativa, certificação ou imagem”, ou “contribuir para que as pessoas possam prestar voluntariado de uma forma mais diversificada”.
No entanto, afirma Isabel Vieira Borges, se estiverem em causa “atividades com finalidades lucrativas, existe um indício de que não se trata de voluntariado”. “O recurso ao voluntariado”, alerta, “pode constituir uma forma hábil de as empresas fugirem às suas obrigações enquanto empregadores”: se conseguirem ”esconder o pagamento de uma verdadeira retribuição, sob a veste de, por exemplo, pagamento de despesas, feito ao voluntário, existe a possibilidade de invocarem e demonstrarem que este não é trabalhador subordinado e que o contrato celebrado não é um contrato de trabalho”.
“Sem prejuízo, a organização promotora do evento está obrigada a cumprir o regime legal do voluntariado e a respeitar os direitos dos voluntários”, aponta a especialista, que realça a importância da fiscalização destas situações.
Aos voluntários selecionados para a Web Summit foi pedido que se comprometessem com um mínimo de dois turnos, de 6 a 12 horas, para cumprir durante o evento. Para além de uma refeição diária, “nas horas de voluntariado temos acesso a todo o tipo de comida, água e café”, explica Tiago Pereira, e fora do turno, “podemos ir conhecer as empresas que estão cá e ouvir algumas palestras”. Têm, também, um dia livre para andarem pelo recinto e assistirem às intervenções dos oradores.
*Artigo escrito por Mariana Ramos Loureiro e editado por João Cândido da Silva