
Que Vítor Pereira anda feliz da vida por Inglaterra é um facto constatado pelas antenas até dos mais distraídos. O futebol visto no campo explica a íngreme ascensão do Wolves a lugares de tranquilidade na Premier League desde 19 de dezembro, quando o treinador português, aos 56 anos, alcançou o que há muito almejava para a sua carreira. A dias do Natal, o clube era o penúltimo classificado, mas, desde então, a subida tem sido imparável: venceu 10 dos 18 jogos que teve no campeonato, registo apenas superado pelo já campeão Liverpool e o Newcastle no mesmo período. A equipa respira ares de tranquilidade, é 13.ª classificada, os sorrisos veem-se ao desbarato no seu estádio.
A boa-disposição irradiada por Vítor Pereira desde o início foi contagiante. Contrariada a tendência dos resultados registados prévios à sua chegada, aos poucos o português entranhou-se entre os adeptos. Cunhou o lema “First the points, then the pints” que hoje se vê em tarjas erguidas nas bancadas do estádio Moulineaux, vindo de um hábito da sua autoria: quando a equipa vence um jogo, o treinador rumo depois a um típico pub inglês da cidade para conviver com as gentes do clube à boleia de brindes com cerveja. Há mês e meio que o hábito tem sido religioso, pois o Wolves vai em seis vitórias seguidas no campeonato, um recorde para o clube.
É nesta senda que presta visita, esta sexta-feira, ao Manchester City treinado por Pep Guardiola, crânio espanhol que Vítor Pereira há muito confessa admirar. Antes da viagem, a BBC quis entender o português e o que o pode explicar, tendo achado pertinente fazer-lhe perguntas onde ele se tem posto à disposição de as responder. “Onde queriam que eu fosse? Tinha de ser a um pub, porque a cultura é assim e é onde as pessoas vão. Quando vou a um pub não é sobre a cerveja”, explicou o técnico, com um copo de meio litro na mão. “Claro que gosto de cerveja, mas venho para estar com as pessoas, para sentir que estou a fazer algo que as faz feliz, que as deixa orgulhosas.”
Sem pudores em dar uma entrevista ao balcão de um bar, descomplexado na escolha do local como acessível é no trato com os adeptos, o português sustentou a sua proximidade com quem torce pelo Wolves: “A conexão com as pessoas é mais forte quando sofremos juntos e, quando estás numa situação a lutar pela manutenção, sentes essa ligação. Nos momentos em que estamos a sofrer, sentes que sofremos juntos.” Portanto, quando a equipa é capaz do contrário, “tens de estar com eles”. Em caso de derrota, Vítor Pereira “fica em casa a beber cerveja sozinho”, mas se ganhar a história é outra - “Vou ter com os adeptos para celebrarmos, só para uma ou duas cervejas.”
O fomento desta proximidade com os adeptos - o treinador escolhe um conhecido pub para o fazer, bastante central, próximo da estação de comboios da cidade - vem do feitio, e das origens, do português. Nascido em Espinho, em criança vivia “a 50 metros da praia”, onde no inverno o mar se espreguiçava e a família sentia a sua presença dentro de portas. “O meu pai não tinha dinheiro, vivíamos numa cave. A cada inverno, durante três meses, tínhamos água em casa e as paredes cheiravam mal”, recordou à BBC quem sentia “vergonha” por ficar com esse odor nas roupas.
Antes de Vítor Pereira emergir no futebol, saindo da sombra de André Villas-Boas para ser bicampeão no FC Porto, conquistando um dos títulos sem derrotas, a vida levou-o a começar a trabalhar aos 16 anos. Desde então que “não [pede] um euro” aos pais. Com tal idade começou a dividir-se entre “pequenos trabalhos”, amealhou o que podia para também “ir a discotecas”. Não tardaria a trabalhar como nadador-salvador aos fins de semana, “apanhava sol e salvava pessoas”, cerrou os dentes e fez-se à vida. Pagaria ele próprio a universidade, formou-se como treinador, chegaria ao sucesso. “Agora tenho 56 anos e serão os meus filhos a gastar o dinheiro, sem problemas!”, brincou.
Pelas circunstâncias da sua génese e do que a vivência lhe atirou mais tarde se compreende a aparente leveza com que o português habita no futebol. “Quando falo com jornalistas, perguntam-me: ‘Vítor, não sentes a pressão?’ Vou-te contar sobre o que é pressão. Pressão foi quando o meu pai teve cancro, o meu irmão estava a morrer e a minha mãe chorava”, contou. Um treinador e o poder da relativização proporcionado pelos desgostos sofridos na vida: “Quando lidamos com isto, o futebol é futebol. Não sinto qualquer pressão, zero. Acreditem em mim.” Mas não desmente “os sacrifícios” inerentes à profissão, exigente de uma atenção em demasiadas horas de um dia, onde os técnicos têm “muitos momentos” nos quais sofrem “sozinhos”.
Vítor Pereira adora o que faz, admite que a competição “é como uma droga”, mas crê também que os treinadores estão “sempre” num estado de “pré-depressão”. Com ele o Wolves não perde há mais de dois meses (desde 25 de fevereiro), as cervejas bebidas têm sido muitas. Pelas garantias que deixou à BBC, o consumo de pints poderá não esmorecer em breve: “Se estiver no lugar certo para me desafiar, eu posso fazer magia. Acreditem em mim.” E os fígados que aguentem.