
André Villas-Boas aposta num Farioli para chegar a bom Porto. O treinador italiano de 36 anos sucede a Martin Anselmi depois de trabalhos bem sucedidos e entusiasmantes na França e na Holanda, ao serviço do Nice e Ajax, respetivamente.
Na verdade, o cenário que Francesco Farioli encontra agora no FC Porto é semelhante ao que encontrou tanto no Nice como no Ajax, isto é, um cenário quase apocalíptico desportivamente, delineado por uma equipa em reconstrução ativa e sem identidade. No entanto, é na invicta onde irá encontrar uma maior pressão de colocar o clube a ganhar novamente, e depressa.
A questão da identidade é fulcral para o sistema de jogo de Farioli e será, naturalmente, um tema recorrente ao longo da temporada do FC Porto. Olhando mais abaixo no território português, há crítica em relação a como Rui Costa não soube criar nem alimentar uma identidade no Benfica nos últimos quatro anos. Por outro lado, subentende-se que André Villas-Boas e a sua equipa têm uma ideia muito clara sobre o que deve ser o sistema de jogo do FC Porto, uma vez que Anselmi e Farioli têm filosofias de jogo bastante semelhantes. A partir daqui, prendem-se questões fulcrais: se Anselmi e Farioli têm filosofias semelhantes, o que os diferencia? E talvez mais importante, será esta a filosofia ideal para o FC Porto?
Farioli e Anselmi concordam num ponto: o foco na chegada à área adversária através da saída de bola em construção desde a própria área. Idealizam um jogo apoiado, começando no guarda-redes, e que a equipa trabalhe como uma unidade para chegar à área adversária, recorrendo a combinações simples, apoios frontais e à premissa de ‘atrair, fixar, soltar’.

Desta forma, são treinadores que dão primazia à saída de pressão e à própria pressão que a sua equipa exerce e caracterizam-se por tal. Este é um estilo de jogo típico do futebol moderno e foi popularizado por De Zerbi (com quem Farioli trabalhou, no Sassuolo), principalmente pelo seu trabalho no Brighton, na Inglaterra.
Não obstante, Anselmi e Farioli divergem na abordagem tática que fazem a esta filosofia. Ao passo que Anselmi é muito rígido no seu sistema, admitindo poucas variações no decorrer do jogo, definindo-se num falso dinamismo que se traduz com a flutuação do seu médio defensivo entre zonas mais baixas ou não.
Farioli, por outro lado, promove rotações à medida que a sua equipa sobe no terreno e as suas equipas caracterizam-se por uma saída de bola muito específica: começando em 4-3-3, os laterais fazem movimentos interiores durante a construção e o médio defensivo desce no terreno para ajudar na construção, formando um bloco de jogadores perto da zona do guarda-redes, de forma a atrair o adversário.
Quando o adversário compromete jogadores para uma zona muito avançada, as equipas de Farioli procuram bater essa pressão por combinações simples. Caso não seja possível, recorrem a passes longos para o avançado, uma vez que os próprios médios tendem a lateralizar-se durante o processo de construção, deixando um vazio no meio do terreno de jogo que o avançado da equipa pode explorar, receber de costas para a baliza e fazer de apoio frontal para os companheiros.
Em zonas mais ofensivas e em ataques prolongados, as equipas de Farioli por norma comprometem cinco jogadores, tentando sobrecarregar a defesa contrária e promover situações de superioridade numérica. Gosta de pressionar alto, mas está confortável em defender num bloco médio-baixo, com uma linha de cinco defesas (completada pelo médio defensivo). Em boa verdade, tanto o Nice como o Ajax de Farioli apresentaram recordes defensivos exemplares.
Entende-se que as semelhanças entre Farioli e Anselmi acabam quando a bola começa a rolar e que Farioli chega com provas dadas em campeonatos europeus que Anselmi não tinha. No entanto, serão estas as ideias que o FC Porto realmente precisa?
O percurso de Farioli até agora, apesar de mostrar evolução e competência, também mostra inaptidão para jogar contra defesas mais baixas e compactas, que é precisamente o cenário que uma equipa grande em Portugal enfrenta na larga maioria dos seus jogos.

Não havendo tantas equipas que comprometam tantos jogadores na pressão ou que estejam confiantes em pressionar a todo o campo, Farioli precisa de se adaptar novamente, como tem feito, e encontrar outras opções que também promovam situações de superioridade numérica e/ou desequilíbrio, mas que sejam mais adequadas ao contexto em que agora se encontra.
Este tem sido um desafio que Farioli ainda precisa de superar, as suas equipas por norma têm mais qualidade ofensiva do que quantidade, isto é, Farioli não se caracteriza por um elevado volume ofensivo, mas sim por chegadas à área contrária com qualidade, o que é contra intuitivo ao nosso campeonato.
Se atentarmos em treinadores campeões nos anos recentes, como Roger Schmidt, Sérgio Conceição, Rui Borges e Ruben Amorim, notamos que todos eles procuram proporcionar o maior número de remates e chegadas à área possíveis durante o seu jogo, o que faz sentido, sendo que uma equipa grande em Portugal passa maior parte do tempo de jogo em ataque prolongado.
Mantendo o mesmo paradigma, é possível que o FC Porto parta demasiadas vezes o jogo, concedendo mais oportunidades ao adversário, como acontecia com Anselmi. Ainda, sem acelerações repentinas no ritmo de jogo e jogadores capazes em situações de um para um, o sistema pode tornar-se obsoleto e previsível, o que levanta uma outra questão: o talento individual dos jogadores.
Atualmente, qualquer treinador que tente implementar um sistema no FC Porto irá encontrar resistência ao mesmo, resultado do escasso nível de talento que os últimos plantéis dispõem.
Para sistemas modernos como aqueles que Villas-Boas tenta trazer, o FC Porto precisa de jogadores confortáveis com bola nos pés, especialmente os defesas, o que não se tem revelado verdade. Marcano chegou a ser o melhor central portista, mas está de saída. Prpic tem um bom perfil, mas creio que seja mais projeto do que solução imediata.

O FC Porto fica ainda sem Fábio Vieira, apesar de já ter reforçado o ataque com Gabri Veiga e Borja Sainz, em posições também necessitadas. Além de centrais e laterais que já se provaram incapazes de competir neste tipo de sistemas, coloco ainda um ponto de interrogação em Alan Varela: o médio não evoluiu desde que chegou à invicta e é um jogador mais fixo do que móvel, não sentindo conforto em baixar para jogar entre os centrais, preparando-se agora para ser titular num sistema ainda mais complexo do que aquele onde já não se adaptou.
Tenho curiosidade para perceber como Farioli irá utilizar dois dos jogadores mais influentes do papel do FC Porto. Começando por Rodrigo Mora, é inegável a qualidade e impacto que o ‘miúdo’ tem no jogo do FC Porto. Farioli exige muito dos seus médios, mas também gosta de os lateralizar; no entanto, Rodrigo Mora é um jogador que se sente melhor em zonas centrais.

Por último, Samu. O avançado do FC Porto contribui com golos, mas ainda tem que melhorar no capítulo de pivot, ao baixar no terreno e a ligar o jogo, o que Farioli procura no seu número nove.
Em última instância, Farioli chega com provas dadas que Anselmi não tinha e com um sistema novo, apesar de semelhante filosofia. No entanto, a adaptação ao contexto e a forma como o FC Porto se reforça neste mercado serão chave para esta nova identidade do Dragão.