
O troço actual de Arganil já não tem muito a ver com a lendária e demolidora classificativa de mais de 40 km feita de noite e debaixo de nevoeiros infernais, no meio dos quais só os mais audazes arriscavam, esperando que a sorte os protegesse como manda o lema dos bravos. O troço atual tem 14 km, é feito de dia (logo de manhã e ao princípio da tarde) e corresponde a uma pequena parte do antigo itinerário. Mantém, apesar de tudo, um ponto de referência – a Casa do PPD – uma ruína assim chamada por, em 1975 e posteriormente, ter sido pintada com palavras de ordem daquele partido.
Recuperada através da cooperação entre o Automóvel Clube de Portugal, organizador da prova, e a Câmara de Arganil, marca a passagem do asfalto para terra, logo ao início do troço, seguindo-se um pequeno salto e o começo de uma zona sinuosa, predominantemente a descer que terminará perto de Cerdeira.
O rali visto da Casa do PPD
Foi justamente na Casa do PPD que vi o troço de Arganil. Chegado a meio da primeira passagem, ainda conseguir ver os portugueses mais cotados disputando o nacional de ralis, como Armindo Araújo, Ricardo Teodósio ou Pedro Almeida (que em Skoda viria ao final deste primeiro dia a ser o melhor português, beneficiando da desistência de Kris Meeke em Toyota Yaris já na ligação por estrada ao quartel-general da prova na Exponor em Matosinhos). Depois, o desfile dos carros menos potentes, alguns dos quais nem por isso se fizeram rogados a dar espetáculo no gancho à direita que marcava a transição do asfalto para a terra.
Comentava-se ali que, para a segunda passagem, os regos abertos pelos carros mais pequenos poderiam ser um problema para os maiores e mais potentes (os 12 inscritos em WRC 1) que não encaixam lá. Mas, duas horas depois, ao ver a gana com que os dez primeiros se atiravam ao gancho, ninguém diria tal coisa.
Habilidades no circuito de Sever
Para terminar o dia, uma visita ao final do penúltimo troço (Águeda/Sever) feito pela primeira vez e que termina no circuito do Alto do Roçário, uma espécie de mini Lousada onde os primeiros deram espetáculo a valer, com destaque para o duelo entre Tanak (Hyundai) e Sébastien Ogier, (Toyota) com o francês a levar a melhor nesta classificativa, ainda que por escassos cinco segundos. Um festival de condução a descer para um gancho de kartódromo onde Ogier abriu, de facto, o livro e mostrou o que é uma trajetória perfeita.
Ao anoitecer deste primeiro dia com troços em terra (11 classificativas), os cinco primeiros estão separados por meio minuto, estando os dois primeiros (Tanak em Hyundai e Ogier em Toyota) distanciados por escassos sete segundos, seguindo-se Katsuta e Rovanpera (Toyota) e o campeão do mundo em título, o belga Thierry Neuville (Hyundai). É obra, tanto mais que só houve duas desistências dignas de nota: o abandono do francês Fournaux (Hyundai) por despiste e a quebra da suspensão, já no regresso à Exponor, do Toyota de Kris Meeke, que corre no nacional de ralis e dominara esta componente da prova.
É obra e anuncia um belo sábado, com classificativas mais longas (Amarante e Cabeceiras, cada qual com cerca de 20 km) que já fizeram a glória de alguns candidatos à vitória e a desgraça de outros tantos.
Ortigão, o inesquecível
Já à noite na Exponor, uma homenagem da Toyota a quem foi o seu primeiro piloto oficial de ralis – Jorge Ortigão –, que em Corolla e Starlet brilhou entre 1980 e 1988. Num tempo em que não havia eletrónica nos carros, os troços eram muito mais desgastantes, os espetadores mais indisciplinados, mas a emoção era a rodos. “Perguntem-me o que quiserem” – disse Ortigão aos jornalistas – “porque acreditem que as coisas se passaram, de facto, como as contarei…”