Eram 19h50 da tarde em ponto, como um dia escreveu Lorca, quando ViktorViktoria’ Gyokeres, rei dos golos de Portugal e da Europa, marcou o golo que fez, enfim, descansar milhões de sportinguistas. Estava deitado para trás das costas um tabu que durava há 71 anos. O Sporting ganhava, de quando em vez, um campeonato, mas era incapaz de ganhar dois de seguida. Fora assim em 1959, 1963, 1967, 1971, 1975, 1981, 1983, 2001, 2003 e 2022, falhando dez vezes o bicampeonato.  Até este sábado, às 19h50, o minuto em que o louro sueco confirmou que o Sporting rasgava mais de sete décadas de história do futebol português.

Aquilo a que neste sábado Portugal assistiu ninguém com menos de 70 anos tem memória. Foi há tanto tempo, tanto tempo mesmo, que o maior dos Cinco Violinos, Fernando Peyroteo, já nem jogava futebol. Há agora diversos heróis, chamemos-lhe assim para facilitar as ideias, nesta tremenda conquista do Sporting. A começar, claro, pelos jogadores, cuja doce cerejinha em cima do bolo foi o homem dos 39 golos. Mas herói é também Frederico Varandas, o presidente que é campeão de Portugal com três treinadores. E, sobretudo, Rui Borges, que levou com duas heranças complicadíssimas, a de Ruben Amorim e a de João Pereira. Porém, resistiu a tudo e a quase todos e, sobretudo, a múltiplas leões de jogadores-chave e tornou-se campeão nacional.

Falemos agora do jogo. O primeiro tempo foi o que se esperava quando tanto estava em jogo. Muita pedra, nenhum diamante. De parte a parte. Pouco espaço, nenhuma brecha. Muito nervo, muita ansiedade, pouco discernimento. Vitória a defender num bloco médio-baixo e, por isso, não concedendo espaço para o Sporting entrar e criar perigo. E quando havia uma nesga de terreno, como numa arrancada de Gyokeres ao minuto 17,  dando a sensação de que poderia ser mesmo uma fuga perigosíssima, João Mendes não hesitou em cometer falta.

Minuto seguinte, o 18.º, trouxe variabilidade negativa ao jogo. Entrada muito dura de  Beni sobre Diomande e o jogo pára durante alguns minutos, com ambos lesionados. Porém, só o leão sairia de campo, pouco depois, substituído por St. Juste. Os sportinguistas tremeram num minuto e no seguinte alegraram-se, finalmente, ouvindo-se o mais sonoro aplauso da etapa inicial: golo do SC Braga!

Até final do primeiro tempo, mais do mesmo. Vitória fechadíssimo atrás, sem mostrar grande disponibilidade para atacar o último terço, demasiado expectantes para quem queria ganhar em Alvalade. Fazia aquilo que achava melhor para sacar três pontos ao líder, mas era, de facto, muito pouco. Não era um autocarro, não, antes um minibus- Mas um minibus só com duas ou três mudanças. E assim Rui Silva foi sempre um espectador. Ou antes: as suas mãos foram espectadoras, pois os pés tiveram, aqui e ali, de receber bolas e trocá-las com os companheiros. Nada de perigoso. Do outro lado, vestido num amarelo fluorescente, Bruno Varela tambem não passou por perigo excessivo e, quando teve tempo para isso, limitou-se a perder tempo em reposições de bola.

Verdadeiras oportunidades houve duas. Ou talvez apenas meias oportunidades. A primeira, num remate enquadrado de Trincão já bem perto do intervalo; a segunda, numa fuga de Gyokeres pela esquerda, bem ao seu jeito, mas sem o espaço e o enquadramento necessários para que lhe pudesse sair um remate verdadeiramente perigoso. Saiu-lhe apenas um fogacho.

O Vitória reentrou mais liberto de pressão. Não como consequência da troca, ao intervalo, de Gustavo Silva por Nuno Santos, antes, pareceu-nos, por indicação de Luís Freire. Talvez a ideia fosse aguentar o 0-0 até ao intervalo para, depois sim, tentar atacar a baliza leonina. Não terá sido também por essa eventual opção do treinador vitoriano que, aos 55’, na melhor jogada até então, Pedro Gonçalves marcou o golo que começou a incendiar Alvalade e a incendiar também Portugal de norte a sul. E a apagar o tal tabu de 71 anos.

Agora, com o Benfica a perder em Braga e o Sporting a ganhar em casa, o bicampeonato estava, enfim, à distância de 35 minutos. Pouco mais de meia hora para que os leões esquecessem, por fim, velho drama do bicampeonato. Estaria o Vitória de acordo com esta tese?

Não. Por fim, Luís Freire libertou os seus jogadores das pesadas amarras que os prendiam lá atrás, mais ou menos junto de Bruno Varela. Porém, festa sem drama, ou minidrama, como foi o caso, não é festa a sério. E quando o Benfica empatou na Pedreira, em Alvalade estavam decorridos 64 minutos. Estávamos por volta das 19h30, sendo que, por momentos, houve um silêncio quase sepulcral nas bancadas verde e brancas. Logo a seguir, porém, aos 65’, o povo voltou a acordar: puummm, bomba de Catamo ao poste direito!

Luís Freire não perde tempo e volta a mexer: João Mendes por Vando Félix. Aos 67’, Alvalade volta a explodir, agora talvez de raiva, quando Telmo Arcanjo tem entrada duríssima sobre Gyokeres, após fuga deste pela esquerda. Freire volta a mudar: Nelson Oliveira por Jesús Ramírez. Tudo por tudo por um golo e um ponto. Finalmente, à entrada dos últimos 15 minutos, o Vitória joga o jogo pelo jogo. E o Sporting, talvez amedrontado, pareceu encolher-se.

Mas, finalmente, Rui Borges iguala Luís Freire e mexe: Morita por Quenda, com Pedro Gonçalves a recuar para a linha média. Mais verticalidade e, ao mesmo tempo, mais permeabilidade defensiva. O Sporting parecia encolhido, sim, mas desencolheu-se depressa quando aos 82 minutos Gyokeres fez o que já não fazia desde o 5-0 no Bessa: golo. E como festejou ele o 2-0, que colocava ponto final nas dúvidas sobre o sim ou não ao bicampeonato.

Os últimos dez minutos são para passar o tempo e para começar a festejar aquilo que o Sporting já não festejava há 71 anos: bicampeonato. E até João Pereira, um dos que menos culpa tiveram no tempo menos bom do pós-Amorim, é campeão Nacional.