
Há um cantinho de Munique que vive num perfeito limbo entre ser e não ser português. O nome do bar, o frigorífico recheado de Super Bock e a decoração apontam para que o seja, mas o facto de não existirem portugueses lá dentro é uma das várias indicações em sentido contrário.
Falamos do Maroto Bar, no bairro bávaro que mais vive a noite: Glockenbachviertel. Intrigado pelo nome, e na indefinição entre labor e travessura, o jornalista do zerozero optou por entrar.

No encalço da diáspora encontramos um espaço alternativo, mas acolhedor. A escassa luz chega para iluminar um menu de cocktails com temática lusa tanto nos nomes como nos ingredientes, que são na maioria vinhos e licorosos de Portugal. Nas paredes, variadas referências culturais portuguesas, sem destoar de uma estética de dive bar que, como viemos a saber, não é de todo comum nesta região do país.
Furamos por um grupo de alemães que dançam entre goles de Super Bock, a única cerveja engarrafada do local, para chegar ao balcão. Pedimos o refresco e desde logo tentamos saciar a curiosidade à conversa com quem nos serve. «Vocês são portugueses?» Não. «Mas houve aqui portugueses?» Não. «De onde vem, então, tudo isto?» Uma longa história.
O dono de bar, Mathias Lindhuber, é um dos dois bartenders de serviço. Tem as mãos cheias, mas há sempre tempo para um cigarro na esplanada. O dedo de conversa vira dois e, ao fim de meia hora, já nos tinha contado a tal história. Parte dela, pelo menos...


Foi há 20 anos que Mathias abriu o bar, em conjunto com um amigo que acabava de regressar a Munique após seis anos de trabalho no Porto. O amigo em causa já não está ligado ao bar, deixando-o órfão de faladores da língua portuguesa, mas a temática manteve-se até hoje, com Mathias a carregar a tocha porque também ele se apaixonou por Portugal nas suas visitas.
Fala-nos da maneira de ser do país, da proximidade do mar, e da «saudade» de tudo isso. É ele quem usa a palavra. Diz que nunca viu uma razão para tirar a portugalidade ao seu bar, mesmo não tendo portugueses na zona nem qualquer tipo de ligação direta ao país.
Mas a oferta lusa vai mais longe, com salgadinhos como a única opção para quem quiser matar a fome. Em dias especiais há fado, cantado pela dona de uma loja da esquina que, adivinhe-se, não é portuguesa. E quem se quiser juntar à comunidade marota através da participação num torneio de ténis, terá de se inscrever na Copa João. Escusado será dizer que não há, nem nunca houve, alguém com esse nome a participar ou organizar.

Ao nosso lado um homem grisalho, acabado de chegar na sua bicicleta, apresenta-se. Gucci - como é apelidado - divide o seu tempo entre a Alemanha e uma pequena vila algarvia, onde consegue simultaneamente trabalhar e praticar a paixão do surf. Diz que, se pudesse, estaria sempre lá. Ao seu lado a esposa, que está a aprender português mas prefere expressar-se em inglês. Mais um banco para o lado está um homem que justificou avisos por parte de três das quatro pessoas que conhecemos: aquele ali fala português, a mulher dele era portuguesa, mas deixa-o sossegado que é meio maluco.
Parece então que também as pessoas deste bar maroto contribuem para o bom ambiente e para a confusão geográfica em igual medida. Todos têm algum tipo de ligação a Portugal, mas todos garantem não ser essa a razão para terem começado a frequentar o bar. Um acaso desconcertante.
Mesmo antes de duas canecas consumidas não seríamos qualificados para qualquer análise desse tipo, mas parece-nos cada vez mais que o estabelecimento existe numa espécie de entrelaçamento quântico. A Portugalidade de Schrödinger. Até entrarmos o bar era simultaneamente português e alemão, mas eis que, lá dentro, as fronteiras são ainda mais confusas.
Locais como este, e noites como a que Portugal viveu na final da Liga das Nações - não nos esquecemos do que nos trouxe à cidade -, tornam a cidade de Munique mais lusa numa forma difícil de quantificar, mas real.