No futebol, os “ses” são sempre muito relativos. Ainda assim, não é assim tão arriscado ou ousado dizer que, sem Rui Silva, o Sporting não teria sido campeão nacional.

Já em 2023/24 tinha ficado no ar a sensação de que o Sporting tinha sido campeão tranquilamente, mas que a diferença não tinha passado pelo guarda-redes. Nem Antonio Adán nem Franco Israel haviam sido capazes de apresentar consistência na baliza e rendimento suficiente para garantirem mais pontos do que aqueles que os leões se arriscaram a perder. Há lugar para defesas memoráveis, como a do uruguaio no jogo contra o Benfica, mas a insegurança apresentada, os ocasionais deslizes e os lances mal abordados foram uma constante apenas atenuada pelo volume ofensivo dos leões.

Foi esta também a realidade dos leões na primeira metade da temporada. Vladan Kovacevic chegou para assumir a titularidade, mas foi acumulando jogos mal conseguidos e más abordagens. Franco Israel voltou à titularidade, mas nunca foi capaz de oferecer segurança fora dos postes, quer no controlo da profundidade, quer na defesa a cruzamentos. Se, enquanto Ruben Amorim esteve no comando, estas limitações foram sendo escondidas, a saída do técnico e a turbulência no processo coletivo do Sporting fizeram a lacuna na baliza ficar à vista de todos.

Considerando excecional o trabalho de recrutamento feito pelo Sporting no mercado, quer internamente, quer no estrangeiro, com todas as posições a ficarem enriquecidas por adições ao plantel, a baliza era o grande calcanhar de Aquiles dos leões. O defeso de janeiro, tão censurado pela inatividade, revelou-se o mais certeiro neste quesito e permitiu ao Sporting estar confortável na baliza.

Rui Silva, chegado em janeiro a Alvalade, não é o melhor guarda-redes em Portugal e nem parece destinado à nata da nata da Europa, mas não precisava de o ser. Bastou ser competente para dar segurança ao mais tremido setor do Sporting e segurar a equipa quando tudo o resto deixou de funcionar.

A principal característica de Rui Silva é a ausência de limitações comprometedoras ou demasiado evidentes. É um guarda-redes forte entre os postes e, principalmente, com capacidade para proteger o espaço que o dista da linha defensiva, grande lacuna dos seus antecessores.

Com o número 24 na baliza, o Sporting ganhou capacidade de jogar uns metros à frente e de defender mais longe da área, embora tal não tenha sido a solução adotada na maior parte dos casos. Por muito rápidos que sejam os centrais leoninos, faltava um homem capaz de sair do conforto dos postes e limpar bolas fora da área perante as várias situações de jogo direto com que o clube verde e branco se deparou na temporada.

Além do controlo da profundidade, uma novidade para os lados de Alvalade, Rui Silva trouxe ainda maior segurança na defesa a situações de cruzamento. A cola que se espalhava nas balizas, e que parecia prender os guarda-redes do Sporting à linha de golo, deixou de ser resistente e o guarda-redes impediu vários lances de potencial perigo com saídas controladas.

Esta característica, principalmente na fase de pior nível exibicional dos leões, frequentemente mais baixos em campo, foi fundamental para agarrar o Sporting. Se é verdade que, mesmo passando situações de maior dificuldade para ter bola, foram poucas as verdadeiras situações de aperto sofridas pelos leões, também é verdade que sem uma linha defensiva bem coordenada – e com as principais referências a um bom nível – e sem um guarda-redes competente, tal não seria a realidade.

Mais do que outra coisa, Rui Silva trouxe confiança à equipa do Sporting. Os defesas leoninos passaram a abordar os lances sabendo que não teriam de cortar todas as bolas na área ou que podiam deixar o esférico rolar em campo aberto na direção da baliza porque, ao contrário da primeira metade da época, atrás também se resolviam lances.

Mesmo Alvalade abraçou Rui Silva com a importância devida. A cada toque na bola do internacional português ouvia-se um coro de vozes a enaltecer a ação do “Rui”, prolongando as vogais para acentuar a grandeza das ações de um homem tratado por uma palavra tão pequena. Não eram apupos, como poderiam parecer para quem os ouvisse sem qualquer contexto, mas agradecimentos eternos para o mais esquecido dos principais rostos do bicampeonato do Sporting.

Enalteça-se Rui Borges por ter agarrado a equipa e ter sido capaz de a liderar (mentalmente e taticamente) até ao fim; enalteça-se o capitão Hjulmand, irrequieto em campo, multiplicando-se por todos os lados, mas mantendo a cabeça limpa; jubilem-se os 39 golos de um robô chamado Viktor Gyokeres capaz de chegar onde os humanos pareciam incapazes; jubilem-se os méritos dos defesas do Sporting, provavelmente os melhores (a nível individual) do campeonato; destaque-se o papel de Francisco Trincão, com uma influência algo sobrevalorizada no título do Sporting; destaque-se a forma como Geovany Quenda se afirmou e trouxe toda a sua geração de parceiros para agarrar a equipa na altura de maior aperto. Que se faça todas essas vénias, mas que não se esqueça o papel de Rui Silva. Seria bem mais complicado ver o Sporting campeão sem o guarda-redes pouco exuberante, porém muito competente que chegou em janeiro.