
“Parece estar chocado”, atreveu-se a diagnosticar o cordial jornalista da “Sky Sports”, delicado a tatear a conversa, sensível ao momento. Tinha à frente um homem encharcado de apanhar chuva, cabisbaixo, que praticamente até então falara com o olhar fixo no chão ou perdido algures. Mal o senhor que tinha o microfone em mão lhe tirou a pinta de ser um treinador em choque, Ruben Amorim fitou-o nos olhos: “E você não está?”
A chuva já amainara em Grimsby quando o português, a repetir o encolhimento de ombros, teve de comparecer perante o que não gosta e dar uma entrevista rápida. O Manchester United acabar de ser eliminado da Taça da Liga inglesa ao primeiro jogo uma equipa da quarta divisão do país, num estádio com cerca de 10% da capacidade do mítico Old Trafford, de onde os red devils tinham vindo. Agastado com a humilhação, Amorim nem parecia saber o que dizer.
Pediu desculpa aos adeptos mais do que uma vez, reforçou o quão inadmissível é para o United, gastador de €225 milhões este verão em apenas em três jogadores, sucumbir durante a maioria do jogo contra a pressão de uma equipa da League Two cujo valor de mercado do seu plantel, calculou o site “Transfermarkt”, nem alcança os €3,5 milhões. “Faltou tudo. Temos de ter orgulho de ir para o campo. A forma como jogámos, como enfrentámos a competição, acho que os jogadores falaram muito alto sobre o que querem. É muito claro”, queixou-se Amorim, sem clarificar.
O contexto do descalabro só ajuda a piorar a derrota. O Manchester United jamais perdera frente a um adversário do quarto escalão na Taça da Liga, muito menos na segunda ronda da prova, fase que já não disputava desde 2014 e teve de o fazer agora por culpa do 15.º lugar no qual terminou na Premier League da temporada passada. É apenas a terceira vez em 30 anos que o clube sai da prova nesta ronda e, ficando sem esta frente e despido que já estava de competições europeias, já só poderá realizar, no máximo, 45 partidas esta época - apenas por uma vez (em 2014/15) desde 1959 o clube teve tão poucos encontros.
Para Ruben Amorim foi “difícil falar” após a hecatombe. Na primeira parte, a sua equipa já perdia por 2-0, desnorteada no campo dos humildes adversários, incapaz de ligar uma jogada que fosse e o treinador sob o dilúvio, a gritar instruções aos jogadores, a suceder-se em poses desalentadas com o que via, por vezes a ir ao manual de esquemas táticos da equipa. Até a imagem do português, sentado no banco, a remexer no caderno enquanto o United acentuava o seu pálido desempenho teve honras de crítica e gozo nas redes sociais.
Os de Manchester ainda empatariam na segunda parte, quase nos 90’. Ruben Amorim mal reagiu. “Estou há sete meses aqui a falar do ambiente e do que seja, acho que é mais do que isso. Estou chocado. Nestes momentos temos de aparecer, sentes que é preciso mudar alguma coisa, mas não podes estar a mudar outra vez 22 jogadores”, desabafou, no final, após o United perder, por 12-11, nos penáltis. Quem falhou o decisivo foi Bryan Mbeumo, um dos milionários reforços desta época. O avançado Benjamin Sesko, a mais cara das contratações, encarregou-se de bater apenas o 10.º pontapé.
Quando a partida se centrou na marca na relva a 11 metros da baliza, o treinador português absteve-se de assistir ao desempate. Já estava demasiado agastado com tudo. “Os penáltis não eram importantes… Se eu estivesse ali a ver se ganhámos o jogo? Isso não importa. O início do jogo é que era importante, os sinais. Se ganhássemos este jogo era tão injusto para os adversários, portanto, hoje o futebol foi muito justo”, considerou, ao dar “os parabéns” ao Grimsby Town que teve o relvado a ser invadido pelos seus eufóricos adeptos no desfecho do encontro.
Os mesmos que gritaram, à moda inglesa, cânticos vários quando a equipa vencia o United, como “podemos jogar contra vocês todas as semanas?” ou outro, mais incisivo para Ruben Amorim no uso do humor britânico: “Vais ser despedido pela manhã.” Era a falange do Grimsby Town a desfrutar do momento ao contrário do treinador português, que será, de novo e mais ainda, escalpelizado pelas suas decisões, reações e escolhas para a equipa que não será poupada à crítica.
O seu preferido 3-4-3 como sistema tático de partida, por certo, regressará à carreira de tiro. “Não é sobre o sistema, jogámos muito bem contra o Arsenal e o Liverpool bem com este sistema, fomos à final da Liga Europa numa época desastrosa com este sistema. Não é importante, podemos jogar com quatro defesas, cinco ou três, o que importa é que temos de ser diferentes. Isso é o trabalho do treinador e vemos que nada muda”, argumentou, sem precisar eventuais soluções. “Agora temos o próximo jogo e depois teremos tempo para decidir coisas.”
Esse jogo será em Old Trafford, contra o Burnley e para o campeonato, o tal tempo é o que virá durante a paragem para os encontros das seleções. Estará André Onana na baliza, após a sua estreia esta temporada logo nesta tragédia, na qual ficou aquém nos lances de ambos os golos sofridos, ou será o turco Altay Bayındır, titular no par de partidas anterior e que também já comprometeu? “Não é sobre o guarda-redes. Com todo o respeito, contra uma equipa da quarta divisão temos de bloquear tudo no adversário, o André só devia tocar na bola com os pés se estivéssemos num nível alto”, respondeu Ruben Amorim.
Chocado como admitiu, triste e algo zangado como se mostrou, o técnico pareceu não ter mais que dizer. Está há sete meses no Manchester United e esta foi a sua 17.ª derrota em 45 encontros. Na Premier League, apenas venceu sete em 29, e três foram contra as equipas despromovidas ao Championship na época passada. O próprio português, num dos desabafos, confessou nada ter para oferecer além das desculpas: “Já não sei o que dizer aos nossos adeptos, é difícil enfrentar isto tudo.”