A paratriatleta Marta Francés, 29 anos, anunciou um ponto final na sua carreira no triatlo, no Instagram. A decisão tem uma razão simples: «bullying» e «insultos contínuos», com os quais tem lidado desde o início da sua carreira profissional.

Francés lamenta que tenha sido no desporto que, precisamente, lhe permitiu ultrapassar «tantos obstáculos» que a vida lhe colocou no caminho que isto tenha acontecido.

Duas vezes campeã europeia, campeã mundial e prata nos Jogos de Paris2024, a atleta diz que foi uma decisão «muito difícil» e que só não aconteceu antes porque perseguia o sonho de conquistar uma medalha olímpica.

Obrigada a todos os que magoaram tanto, porque graças a vocês eu extravasei a raiva para vencer, para levar para casa a prata olímpica e o ouro mundial. E isso vai morrer comigo!

«Foi uma decisão muito, muito difícil de tomar, pois dediquei minha vida inteira ao desporto, e isto aconteceu foi justamente esse desporto que me fez superar tantos obstáculos que a vida colocou no meu caminho. Tomei essa decisão junto com as pessoas que realmente me amam, e ela é firme. O motivo é: o bullying incessante, além do assédio e da discriminação que sofri nos seis anos em que pratico esta modalidade. E antes que me perguntem: se eu aguentei até aqui, foi para que ninguém roubasse o meu sonho olímpico de Paris», escreveu nas redes sociais.

Sem nomes, a atleta espanhola que foi diagnosticada com um tumor cerebral, aos 16 anos, e que ficou com mazelas permanentes, agradeceu também aos que lhe terão feito mal.

«Obrigada também a todos vocês que tornaram minha vida num inferno com o bullying incessante durante 6 anos. Alguns podem pensar que é atirar a toalha ao chão. Bem, não é, é vencer a guerra . Eu só tinha um sonho: ser atleta olímpica e ganhar uma medalha, mas acima de tudo, ser feliz. Não só realizei esse sonho, como também tenho uma força interior que sei que ninguém teria em meu lugar. Obrigada a todos os que magoaram tanto, porque graças a vocês eu extravasei a raiva para vencer, para levar para casa a prata olímpica e o ouro mundial. E isso vai morrer comigo!» acrescentou.

Esta não foi a primeira vez que Marta Francés sofreu bullying. Aconteceu na escola e foi vítima de violência doméstica, mas se naquelas ocasiões o desporto foi uma salvação para ela, desta vez o assédio que sofreu acabou com a sua carreira desportiva.

Marta Francés tem hemiparesia lateral esquerda, ou seja fraqueza parcial, ou diminuição da força muscular, que afeta um lado do corpo.

Depois do tumor no cérebro, era como un bebé. Tive de voltar a aprender a escrever, a ler, a caminhar, a falar...No hospital só mexia a boca e o olhos

Aos 16 anos teve de passar por uma cirurgia de emergência para remover um tumor cancerígeno no cérebro. A operação não teve o efeito desejado e teve de ser operada novamente. A segunda intervenção eliminou com sucesso o tumor, mas deixou-a com consequências físicas significativas e para toda a vida.

«Pior do que o cancro, foi a recuperação, até porque fiquei com uma incapacidade para a vida. Depois do tumor no cérebro, era como un bebé. Tive de voltar a aprender a escrever, a ler, a caminhar, a falar...No hospital só mexia a boca e o olhos», contou.

Perdeu mobilidade no lado esquerdo do corpo, o que causou uma grave perda de equilíbrio e coordenação. Aos 16 anos, no primeiro ano do ensino médio, teve que reaprender a andar, a escrever, a ler. Nunca desistiu e concorreu à Faculdade de desporto, onde conseguiu formar-se, antes de fazer o mestrado em biomecânica do desporto.

Fez natação, antes de se dedicar ao triatlo, em 2019. Além da prata nos Jogos Paralímpicos, tem três medalhas em Mundias, três em Europeus e oito em Taças do Mundo. 

Pouco antes de ir aos Jogos de Paris2024, deu uma entrevista onde falou do bullying que sofreu na adolescência e deixou pistas que poderiam antecipar este desfecho, mas só agora fazem sentido.

«Naquela altura, tinha 12 ou 13 anos e era atleta. Os psicólogos disseram que geralmente o bullying acontece por causa da inveja. No meu caso, era atleta, ainda não de alto nível, mas era muito bom em todos os desportos e tirava notas muito boas. A culpa até pode ser da inveja nessas idades, mas já a vi de novo na idade adulta», revelou na altura.