
Os clubes têm de diminuir as críticas sobre as equipas de arbitragem e videoarbitragem (VAR) na I Liga de futebol, contribuindo com a sua "grande influência" para mudar a cultura desportiva nacional, deseja o antigo 'juiz' Marco Ferreira.
"De dentro para fora, os clubes têm de começar a focar-se naquilo que controlam, no seu trabalho, e não usarem os comentadores para passar críticas à arbitragem, muitas vezes sem fundamento e sobre casos que não o são. Isso é consumido pela nossa sociedade desportiva, que é muito influenciada pelos clubes. Em Portugal acompanha-se o futebol, mas gostamos mais dos clubes do que da modalidade em si", apontou o antigo árbitro madeirense, que integrou a primeira categoria nacional entre 2007 e 2015.
Marco Ferreira, de 48 anos, admite que o início da época foi "bastante positivo, já que a arbitragem praticamente não era falada e havia uma distância significativa" do líder para os concorrentes diretos, cenário alterado na reta final da época, com a aproximação do Benfica ao agora bicampeão Sporting, que revalidou o título com dois pontos de avanço sobre as águias.
"Vimos uma mudança nas presidências dos principais clubes e algumas melhorias, mas, quando tudo ficou em aberto, os vícios antigos voltaram e tivemos declarações dos mais altos dirigentes. Lançaram suspeitas, mas não as explicaram de forma clara e acabaram por não dizer nada. Quando o discurso chega a este ponto, pode ser interpretado como uma forma de os clubes desviarem a atenção de hipotéticos falhanços da época", referiu.
Ressalvando que, no fim de uma temporada, "é habitual dizer-se que a arbitragem acaba por não ter influência, porque, existindo erros, acabam por ser sempre divididos entre os 'grandes'", Marco Ferreira frisa que a nova estrutura do Conselho de Arbitragem (CA) da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) trabalha para melhorar o desempenho do setor.
"Muitas vezes, quando os clubes criticam, questionam até se um erro foi deliberado, mas esquecem-se de que os árbitros correm o risco de ser despromovidos se tiverem maus desempenhos e, com isso, deixam de ser profissionais. Sabendo que se pode prejudicar, um árbitro não vai errar deliberadamente só para defender o clube A ou B", reconheceu.
Pela oitava época seguida, a I Liga adotou o VAR, sistema tecnológico que disponibiliza imagens vídeo para ajudar as equipas de arbitragem à distância, sendo que, em função dessa possibilidade de receberem auxílio em momentos previstos pelo protocolo, Marco Ferreira sente que os 'juízes' de campo tiveram "algum relaxamento a avaliar os lances".
"O protocolo é muito claro e diz que o árbitro não poderá deixar de tomar uma decisão à espera que seja o VAR a decidir. O VAR é um recurso e, se não for necessário usá-lo, é sinal de que os árbitros de campo estão a ser competentes. Tem de ser usado em erros claros e óbvios e em situações com influência no resultado ou na atribuição de pontos", sublinhou, convicto de que, quando não existia VAR, os 'juízes' "estavam mais focados".
Marco Ferreira refere ainda que vê menor intervenção dessa ferramenta nas provas europeias, nas quais os clubes lusos tiveram jogos em que se sentiram prejudicados, mas não se queixaram, "pois sabem que a UEFA tem outra forma de ver o VAR e as multas são bem diferentes".
"É preciso que as federações tenham o mesmo modo de intervenção, para que também possamos ver cá dentro o que se vê lá fora e, quando for necessário, o VAR intervenha. Vemos erros claros e óbvios nos jogos da UEFA, mas isso não faz com que um árbitro deixe de ter capacidade para exercer a sua função. Todos têm direito a errar", analisou.
Viabilizado em 2016 pelo International Board (IFAB), regulador das regras do futebol, o sistema tecnológico "veio reduzir imenso os erros graves com influência no resultado", sobretudo quanto à lei do fora de jogo, mas não os eliminou nem é a solução para tudo".
"Não acho que o protocolo vá ser alterado. Pode haver é a possibilidade de as equipas terem dois pedidos de intervenção nas situações que julguem pertinente. Isso iria diminuir o ruído, porque passava a responsabilidade para os clubes: se não pedirem a revisão de um lance, não poderão andar a dizer à semana que existiu um erro", traçou.