E que razão terá Tadej Pogačar quando diz que está cansado e só quer que chegue Paris. Passadas quase três semanas de Tour de France, a penúltima etapa foi mais uma chatice, um sobe e desce no coração dos Montes Jura, com a Suíça ali ao lado. Houve chuva, houve ataques e contra-ataques, havia frio e desconforto. Está quase a acabar, Pogi.

Os 184,2 quilómetros entre Nantua e Pontarlier, levando a Volta a França a sair dos Alpes e a começar a rumar à capital, não tinham dificuldades para mexer com os primeiros lugares. Ainda assim, o terreno armadilhado lançava as bases para haver muitos candidatos à fuga, conscientes de que as oportunidades para vencer na competição que muda carreiras estão a acabar.

Com estrada molhada quase todo o percurso, a fuga, numerosa, levava gente de qualidade, caçadores de etapas misturados com Jordan Jegat, o francês da TotalEnergies que tentava roubar o 10.º lugar a Ben O'Connor. A aposta saiu certeira ao pouco conhecido Jegat, ao discreto Jegat, que foi certinho ao longo de todo o Tour e, na 20.ª tirada, ganhou tempo suficiente para passar à 10.ª posição.

Com a fuga condenada a vencer, o Côte de Longeville (2.6km a 6% de inclinação média), já nos 30 quilómetros finais, afigurava-se como fundamental para determinar o vencedor. Sem surpresa, Iván Romeo, jovem espanhol que promete dar à Movistar as alegrias que tanta falta fazem à equipa, acelerou.

Romeo, de 21 anos, é o campeão do mundo sub-23 de contrarrelógio e o campeão nacional espanhol de fundo. O pujante jovem procurou ganhar a solo, mas foi apanhado antes do topo e, na descida, foi condenado pelas ratoeiras do percurso.

O piso molhado já pregara sustos a Simone Velasco e Harry Sweeny. As ameaças concretizaram-se numa muito feia queda, a qual começou por vitimar Romeo e levou por arrasto Velasco e Romain Grégoire. Fim do sonho para Romeo, que parece condenado a vir a ganhar nestes palcos, um talento muito desejado e necessitado para um ciclismo espanhol em crise.

O mítico diabo e a fuga
O mítico diabo e a fuga Tim de Waele

Aproveitando as contingências da chuva, Jake Stewart, Frank van den Broek e Kaden Groves ficaram sozinhos. Pensava-se que Groves, um sprinter, com sete vitórias na Vuelta ou duas no Giro, seria o mais conservador do trio, aguardando pela meta, por uma chegada a três onde teria clara vantagem. Só que não.

Groves, que entrou no Tour para ajudar os companheiros Van der Poel e Philipsen, que entretanto abandonaram, abraçou o espírito do seu colega antigo campeão do mundo. Foi a solo, não olhou para trás, e ganhou, completando a trilogia de êxitos nas três grandes voltas, sendo o 114.ª a lográ-lo. A Alpecin - Deceuninck atinge o hat-trick de vitórias nesta Volta a França, fiel à tradição que a equipa apresenta de fazer o máximo de cada oportunidade.

Mais atrás, Pogačar e restantes primeiros classificados chegaram calmamente, com exceção do frustrado O'Connor, que perdeu o lugar no top 10. Amanhã há chegada a Paris, com um figurino diferente do clássico, com o percurso em Montmartre inspirado no que se fez nos Jogos de há 12 meses. Depois, sim, haverá descanso, Tadej.