A sessão desta quinta-feira do julgamento do processo 'Saco Azul' arrancou com a inquirição a Maria Fátima Pires, uma das inspetoras da PJ que liderou a investigação, que deu conta da forma como se suspeitou de eventuais ilegalidades em torno da empresa Questão Flexível. 

"O processo tem início com uma comunicação de operações suspeitas na conta bancária da empresa Questao Flexível. Estavam a ser feitos depósitos de elevador valor, que depois saiam em numerário. Isto em 2018. Procurámos saber que empresa era esta e a que título recebia estes créidtos e o motivo da saída. A Questão Flexível foi constituída pelo casal, a atividade era consultoria informática, mas só tinha dois funcionários. Tentámos começar por perceber se tinha instalações e onde funcionava. Percebeu-se que a sede era num imóvel da mulher, mas que este estava arrendado a outras pessoas. A sede não era ali, naturalmente. Nas diversas instituições bancárias a Questão Flexivel indicava outras moradas. Fomos lá, mas não havia placa a identificar que a empresa exercia ali atividade. A empresa parece que não tinha instalações. Veio-se a apurar que o único cliente era a Benfica SAD e Benfica Estádio. Haviam outros clientes de menor dimensão, mas associados a outras empresas de José Bernardes. Depois procurámos saber de onde vinham as transferências e percebemos que eram da  Benfica Estádio e SAD, por serviços prestados. Por outro lado, ele justificou os levantamentos em numerário a pagamentos efetuados à empresa Capinvest, empresa de José Raposo. Mas esta era uma empresa com sede no Dakar, em nome de José Raposo. Entretanto, apurou-se que José Raposo estava em Portugal e era consultor imobiliário na Century 21, em Leiria, desde 2016. Era complicado um consultor imobiliário prestar algum tipo de serviço à Questão Flexível para receber estes pagamentos", apontou a inspetora, dando conta do espanto que causou na investigação.

Posto isto, a PJ foi à procura de justificação para a relação entre a SAD encarnada e a referida empresa e Maria Fátima Pires explicou que, quando foi solicitado, o Benfica disse não ter disponíveis, naquela altura os contratos. Mas, efetivamente, eles existiam e tinham sido elaborados posteriormente à prestação do serviço, mas com outro intuito.

"O Benfica não os tinha. Do que tenho de cabeça, a explicação que deram foi que estavam em mudanças.  Mas não tenho dúvidas que os contratos foram fabricados. Não tenho dúvida que os contratos foram fabricados. Quando os contratos foram fabricados, o Benfica ainda não sabia da investigação e são fabricados, pois estavam a ser pressionados pela gestora de conta para justificar avultadas transferências de dinheiro do Benfica e os levantamentos em numerário. O banco não denunciou logo esta situação. Fizeram várias transferências para a Questão Flexivel e José Bernardes estava a ser pressionado para apresentar uma justificação pelos créditos. Aquilo foi fabricado para dar uma justificação ao banco. A investigação foi iniciada em agosto de 2017 e eles foram fabricados em março de 2017", apontou, de forma taxativa, a inspetora.

A inspetora da PJ não tem dúvidas que a Capinvest não tinha qualquer atividade e que, dessa forma, era impossível passar faturas à Questão Flexível. O que é certo é que existiam transferências de uma empresa para outra. "As faturas eram de consultoria informática. Mas a Capinvest não tinha instalações. Desconhece-se os serviços prestados. Não existiam contratos que permitissem justificar os pagamentos. Na sequencia das diligências, o senhor José Raposo veio a assumir que foi o José Bernardes que pediu tudo".   

Sobre as transferências do Benfica e o levantamento em numerário, a inspetora da PJ considera que fica claro, pelo procedimento adotado, que era um plano montado pelos arguidos. "Há um pagamento de cheque do Benfica e depois o levantamento numerário e aparece escrito 89 por cento. Se pegarmos na fatura de dezembro de 2016, há uma fatura de 126500 euros, depois o valor a devolver "valor Dev" era 89 por cento dos 126 500 euros. Colocando na célula do excel 'valor a devolver', a fórmula que lá está é 89 por cento sobre o valor net, sem o IVA", explicou.

A audição a Maria Fátima Pires ocupou toda a manhã no Campus de Justiça e ainda não foi concluída, mas já foi questionada pelos advogados de defesa da Benfica SAD e Soares de Oliveira, João Medeiros, que apontou algumas lacunas da investigação. E, efetivamente, a inspetora da Judiciária, teve dificuldades em responder a alguns pontos.

"A acusação diz que Luís Filipe Vieira convenceu Miguel Moreira a associar-se a este alegado esquema eque este plano foi dado a conhecer a Domingos Soares de Oliveira, que aderiu a ele. Com que concretos elementos, a investigação apurou que possam sustentar esta acusação?", questionou o causídico do Benfica, não tendo obtido resposta de Maria Fátima Pires: "Não lhe sei responder".

Da mesma forma que não conseguiu explicar os argumentos da acusação para que o plano tenha sido gizado "algures no verão de 2016" por Luís Filipe Vieira, a não ser que os pagamentos começaram a ser feitos alguns meses depois.