
Maputo, 28 jun 2022 (Lusa) - Em três anos de aposta no atletismo, a Associação Portuguesa (AP) de Moçambique assume-se como uma potência da modalidade no país e corre para fazer de Verónica José uma das seis melhores atletas mundiais em juniores femininos.
O campeonato mundial em Cali, Colômbia, marcado para agosto, será a primeira grande competição internacional de Verónica José, mas a evolução da corredora nos 1.500 metros dá confiança à atleta e ao seu treinador, Alberto Lário, de que a AP vai chegar à final da prova.
"Só a Verónica tem mínimos para participar no mundial de juniores (sub-20) na Colômbia. Por parte da Associação Portuguesa, estão todos satisfeitos. Foi uma aposta que fizeram para apoiar o atletismo moçambicano e os resultados estão aí, é uma aposta ganha", afirmou Lário, em entrevista à Lusa, minutos antes de mais uma sessão de treino na pista de tartan do Parque dos Continuadores, a principal do país africano.
Para conseguir a marca mínima necessária para ir ao mundial, Verónica cumpriu uma série de competições num estágio de cinco semanas em Portugal.
Bateu o tempo de 4.29 minutos exigido para participar no mundial, numa prova em Braga, e tem vindo a melhorar a prestação.
"Ainda no último treino, baixou mais cinco segundos", exulta o treinador.
"O nosso primeiro objetivo é conseguir atingir a final e depois, a partir dai, tudo pode acontecer. Sabemos que é muito complicado, porque, neste momento, temos atletas do Quénia e da Etiópia que são muito fortes", enfatizou.
Conseguir estar entre as seis melhores fundistas mundiais em juniores, de um total de 40 que vão participar em Cali, será um grande feito para Verónica José, que parecia uma aposta improvável de Alberto Lário.
Há seis anos, a atleta foi sétima classificada na final dos 800 metros femininos dos jogos escolares, uma competição organizada anualmente pelo Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano de Moçambique.
Naqueles jogos escolares de Gaza, Verónica teve uma prova sofrida, porque, pela primeira vez, foi obrigada a correr na final de sapatilhas de atletismo.
"Ela correu a primeira prova descalça, para a eliminatória, como todas as atletas que lá estavam, e depois, à última da hora, chegou a vice-ministra e obrigou todas a usarem ´spikes`", um tipo de piões usado em sapatilhas de atletismo, lembrou o treinador.
Ela foi dos atletas que menos se encaixou na mudança de calçado, acrescentou.
A intuição de Lário moldada ao longo de 35 anos de experiência no atletismo fizeram o treinador ver em Verónica José um "diamante por lapidar", tirando-a da província de Tete, centro de Moçambique, para a sua casa na capital moçambicana.
"Ela reúne as melhores condições para ser uma grande atleta e tive sorte. Acertei e ela está ai, com toda a força e com toda a vontade e os resultados falam mais alto do que eu", congratula-se o treinador, que deixou o clube de atletismo que fundou na Galiza, Espanha, para voltar à terra natal, Maputo.
Agora, os pensamentos já estão na Colômbia.
Cada vez mais otimista, Verónica José disse à Lusa que a sua aspiração é chegar à final no mundial de agosto e depois lutar para ir aos Jogos Olímpicos de 2024.
"A minha preparação está a ser muito boa, embora muito dura. Mas é necessário treinar duro para conseguir resultados positivos", afirmou, tímida, minutos antes de começar a sessão de treinos.
Nos Jogos Olímpicos, Verónica poderá também correr nos 3.000 e 5.000 metros, porque, até lá, estará no ponto para participar nessas provas, diz o técnico Alberto Lário.
"Gostava de chegar aos Jogos Olímpicos [de Paris] e vejo que este é o começo. Primeiro é o mundial de juniores e vou subindo", detalhou.
Um plano com etapas bem definidas e cujo objetivo, "neste momento, é trabalhar para poder baixar dos 4.28 minutos para os 4.25 minutos e chegar às medalhas".
"O apoio da associação está a ser positivo, mesmo para conseguir os mínimos em Portugal. Foram eles que pagaram tudo e acreditaram em mim. As marcas [que tenho alcançado] devo-as a eles", referiu, sorrindo ao ser um símbolo de liderança no feminino: "Sou a única menina do grupo e tento treinar ao ritmo deles [dos homens]".
Outro atleta da AP com grande margem de progressão é Alex Macuácuá, que, com 18 anos, já é imbatível nos juniores em Moçambique e ficou a segundos da qualificação para o mundial de Cali, diz Lário.
O atleta, também recrutado nos jogos escolares, teve de voltar mais cedo do estágio em Portugal, falhando as hipóteses de lutar pelos mínimos para o mundial, porque a Federação Moçambicana de Atletismo queria que ele acelerasse a participação nos jogos da Commonwealth e da Organização da Cooperação Islâmica, que vão decorrer este ano.
"Se o Alex tivesse ficado em Portugal mais duas semanas, tenho a certeza de que conseguiria os mínimos", depois de ter feito a primeira prova 1.56 acima do mínimo de 3.48 exigido para os 1.500 metros masculinos, assinalou o treinador.
Para a idade que tem, a evolução e a progressão "tem sido espetacular", prosseguiu.
Uma outra grande aposta da AP é no atleta Zacarias Sitoe, 27 anos, que trabalha para bater um recorde nacional pertencente ao maratonista moçambicano António Repinga.
Há 50 anos, Repinga fez 42.198 metros em 2.28 horas na então cidade de Lourenço Marques, atual Maputo.
Sitoe terá superado esse registo numa maratona na África do Sul, mas o feito não foi creditado, devido a um problema técnico na cronometragem, afirmou Alberto Lário.
A marca, prosseguiu, poderá cair ainda este ano, quando o corredor da AP participar numa prova em Portugal.
"Ele está capacitado para correr abaixo de 02:25 horas e eu penso que no Porto ou em Lisboa vai fazer esta marca este ano", referiu.
Alberto Lário diz que o país tem capital humano para se afirmar como uma das potências no atletismo em África, desde que haja os apoios necessários - a AP vai continuar a fazer a sua parte, tendo já projetado a criação de uma academia de atletismo.
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