A recente final da Taça de Portugal parece condenada à história pela memória de um momento que durou pouco mais de meia dúzia de segundos.

Infelizmente, esse instantâneo foi suficiente para abafar mais de cento e trinta minutos de jogo jogado, em que duas equipas de topo lutaram arduamente pela vitória.

É pena que uma partida tão esperada, vista no estádio por milhares e cá fora por milhões, tenha ficado ferida de morte por uma única situação.

Esta constatação de facto não procura desvalorizar o sucedido. Obviamente.

O que vimos foi feio e pressupõe responsabilização (não confundir com catastrofização).

De facto, um jogador que estava de pé pisou a cabeça de outro que estava caído, usando os pitons da sua bota. O adversário estava momentaneamente indefeso e esse contacto colocou em risco a sua integridade física. O facto cresce em gravidade por saber-se que a zona atingida é a mais sensível do corpo humano, aquela que as leis de jogo mais protegem.

Independentemente de todo e qualquer juízo de valor que se faça sobre intenção ou inevitabilidade - compreendam que não entre nessa conversa -, este tipo de gestos pressupõem uma única decisão disciplinar: a exibição do cartão vermelho direto.

Como vimos, a equipa de arbitragem não tomou essa opção. Errou. E isso é algo que deve assumido com humildade, frontalidade e honestidade.

Naturalmente que erros desta dimensão têm outro impacto, mas as consequências daí resultantes não devem ter fim meramente punitivo.

Devem levar a uma análise exaustiva que responda aos porquês, procurando perceber o que correu mal, que bloqueios ocorreram, que falhas técnicas e comunicacionais surgiram e, mais importante, como se pode garantir que nunca mais se repitam em idênticas circunstâncias.

Se o espírito não for esse, de nada valem jarras ou enforcamentos públicos. A ideia não pode ser a de servir sangue ao povo, mas diagnosticar e corrigir.

A outro nível, convenhamos que esta forma redutora de ver futebol é algo muito nosso, que não nasceu apenas na final do Jamor. Culturalmente continuamos a permitir que paixão cegue a razão, analisando tudo com demasiada efervescência e emoção. Essa proximidade impede-nos de ver a outra distância aquilo que tantas vezes merece mais atenção e reflexão. Naturalmente que esse excesso serve a muitos e é até potenciado por quem prefere que as coisas se mantenham assim, mas não é a forma certa de estar no jogo ou na vida.

Não me parece que se consiga mudar esse chip comportamental tão cedo, mas este é apenas um dos muitos desafios que os portugueses e o país enfrentam por estes tempos.

Nota final - Os insultos, ofensas e ameaças entretanto dirigidos a alguns dos envolvidos (e respetivas famílias) constituem crime previsto com pena de prisão no Código Penal Português.

Muitos foram cometidos publicamente, à boca desarmada, por pessoas bem identificadas, que têm cargos relevantes ou responsabilidades adicionais na formação de opinião.

Deviam ser responsabilizadas institucionalmente e alvo de queixa-crime, respondendo em sede própria pelo impacto danoso das atrocidades que disseram e escreveram. Parece que vale tudo, mas não vale e é preciso colocar linhas vermelhas a quem mostra sucessivamente que não sabe o que é opinar com decência, respeito e educação.