É um problema de 70 milhões mas na versão portuguesa. É quase o inverso daquele que Diego Simeone arranjou em jeito de desculpa depois de ter sido golpeado quatro vezes por Vitinha e companhia no arranque do Mundial de clubes.

O treinador do Atlético Madrid, que há 12 meses renovou o contrato até 2027 à razão de 26 milhões de euros líquidos por ano, lembrou depois da derrota pesada frente a Luis Enrique que quando este “teve em janeiro um problema no lado esquerdo”... chegou ao PSG um ala chamado Khevicha Kvaratskhelia.

A troco de 70 milhões, o georgiano mudou-se de Nápoles para Paris e ainda desembarcou a tempo de se revelar uma peça nuclear na temporada inesquecível dos campeões da Europa, contribuindo com sete golos e seis assistências nos... 26 jogos disputados, provando que não é só “Cholo” Simeone que tem motivos para se deliciar com este número.

Nesta altura, Frederico Varandas, um dos protagonistas da novela Viktor Gyökeres, também gostaria de ter uma base negocial em torno dos 70 milhões e também não se importaria nada de fazer o negócio com italianos.

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A avaliar pelo que tem sido publicado, o interlocutor não seria o hollywoodesco Aurelio De Laurentis (presidente do clube que se sagrou campeão da Série A) e sim Damien Comolli, o novo diretor desportivo da Juventus e um velho apaixonado pelas contratações com base nos algoritmos e nas estatísticas.

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Rendido aos 97 golos e 27 assistências que o goleador escandinavo fez em 102 desafios, Comolli levou a Juve a pensar numa proposta muito mais próxima daquilo que os campeões nacionais idealizam como verba mínima para a transferência. A vida seria dolce e perfeita para todas as partes não se desse o caso de o próprio jogador se ter pronunciado publicamente sobre todo o ruído em torno da anunciada saída de Alvalade, garantindo que a “maior parte” das informações é “falsa”.

Como até à data não consta que o artilheiro das últimas duas edições da Liga portuguesa tenha rescindido o contrato com o seu empresário, parece claro que Gyökeres continua do lado de quem o representa e pode criar uma situação muito embaraçosa para a administração leonina e para Rui Borges.

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Se o presidente assinou mesmo uma cláusula que obrigará o clube a entregar ao agente do futebolista 10 por cento de uma proposta rejeitada de 60 milhões de euros, acaba por ser ilógico que agora se mostre irredutível e aponte a uma operação a começar nos 70 com mais 10 milhões de euros variáveis. Não passa pela cabeça de ninguém que o Sporting ache despiciendo o desembolso “gratuito” de seis milhões de euros, o que desde logo é revelador da valorização que um total de 60 milhões sempre teve nas contas feitas pelos responsáveis da SAD.


O LEÃO E O KOCHO

Ainda por cima, num ato revelador de alguma precipitação e talvez alguma intolerância, Varandas chegou ao ponto de dizer que não aceitaria transacionar por 60 milhões e mais 10 (milhões de euros) condicionados a determinados objetivos, o que na prática significa que está a aniquilar de raiz a possibilidade de assegurar uma verba que poderia chegar aos 70 milhões em face dos predicados tantas vezes exibidos pelo homem da máscara.

É verdade que a manter-se o braço de ferro, ninguém fica a ganhar e qualquer um dos intervenientes perde muita coisa, com a diferença de que do ponto de vista desportivo não está consentido aos leões preservarem a todo um custo um atleta que tenha instalado o chip de despedida de Portugal. Por muitas voltas e muitas exigências que a Direção dê e faça, o que não pode deixar de respeitar é a vontade soberana de Gyökeres, o grande argumento que está do outro lado da mesa e fora do raio de alcance de quem está na posição de empregador.

Manter no plantel um elemento contrariado (com influência suprema no rendimento coletivo) corresponderia a um ato suicida que faria murchar as melhores intenções do treinador numa temporada histórica no que diz respeito ao sonhado tricampeonato. Submetido nesta fase a um mero papel de observador, Rui Borges sabe, por outro lado, que quanto mais tempo passar sem que nada se resolva, mais indefinido será o planeamento da nova época e maior a vantagem recolhida pelos rivais diretos.

Em condições normais já seria bastante complicado tratar da sucessão do imparável Viktor, nestas circunstâncias o fator tempo concorre contra quem dá a cara pela equipa e responde pelos retumbantes sucessos e pelos monumentais fracassos. A menos que o sueco contrarie as últimas notícias e revele uma inesperada predileção pela Juventus em comparação com os convites que lhe chegam de Inglaterra, Frederico Varandas, inevitavelmente, vai ter de ceder e recuperar a sensatez que noutros momentos lhe permitiu derrubar algumas montanhas.

Claro que não se pode afastar a possibilidade de um Arsenal ou de um Manchester United fazerem mais um esforço e chegarem aos 70 milhões (mais 10) exigidos, embora esse género de cedência além-Mancha perca sentido considerando a fragilidade negocial em que o leão se meteu a partir do instante em que abriu a boca e uma frente de batalha com o empresário e, por arrasto, com Gyökeres.

Não é todos os dias que há uma venda-Kvaratskhelia. É muito mais fácil comprar um Giorgi Kochorashvili, conforme o Sporting demonstrou quando acertou com o Levante um pagamento que não ultrapassará os 7,5 milhões de euros.

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Seja qual for o rendimento de “Kocho”, nunca será um verdadeiro problema.