"Quando o suposto exercício do direito de livre expressão, reunião e manifestação dá lugar ao que se denomina de 'fighting words', ou seja, puras 'agressões' e 'insultos' (verbais), publicamente proferidas ou exibidas com clara intenção de ofender, chocar, atingir, diminuir, humilhar, apoucar ou achincalhar, claro se apresenta que (aquelas) não podem ser aceites, sob pena de se ter de admitir 'abusos e ofensas sem limites', pode ler-se no sumário da decisão do relator José Maria Dias Azedo.

No mesmo texto, o Tribunal de Última Instância de Macau acrescenta ainda que "em caso de embate ou colisão entre a "liberdade de expressão e a 'necessidade de proteção à honra', (ou outro direito), cabe verificar se a livre expressão que, no caso, atingiu a honra (ou dignidade) que a terceiro era devida, foi 'necessária', 'moderada', 'razoável' e 'proporcional', e inexistindo um necessário 'equilíbrio', imperativa é a conclusão do excesso daquela".

A decisão vem na sequência de um recurso apresentado pelos organizadores da habitual vigília em memória do massacre de Tiananmen, após a polícia de Macau ter proibido a sua realização alegando risco de violações do Código Penal, mais precisamente o artigo 181.º sobre "ofensa a pessoa coletiva que exerça autoridade pública", o artigo 177.º referente a "publicidade e calúnia" e, finalmente, o artigo 298.º sobre "incitamento à alteração violenta do sistema estabelecido".

Esta foi a primeira vez que as autoridades de Macau citaram razões políticas para proibir a comemoração.

As autoridades justificaram também a proibição com medidas de prevenção da pandemia da covid-19, num território que não regista qualquer caso local de covid-19 há mais de 400 dias.

Horas antes de conhecida a decisão do Tribunal de Última Instância de Macau os deputados pró-democracia Au Kam San e Ng Kuok Cheong, organizadores da habitual vigília na Praça do Leal Senado , anunciaram que a vigília seria transmitida via online, fosse qual fosse a decisão do Tribunal de Última Instância.

"O principal objetivo é evitar riscos políticos desnecessários", afirmou Au Kam San.

Na plataforma Facebook, Ng Kuok Cheong apelou aos residentes de Macau que acendam uma vela branca e que partilhem nas redes sociais. Aos pais, acrescentou Ng Kuok Cheong, que mostrem vídeos e informações aos filhos sobre os acontecimentos de 04 de junho de 1989 e que expliquem o contexto histórico e o impacto para as gerações futuras.

Na sexta-feira faz 32 anos que o exército chinês avançou com tanques para dispersar protestos pacíficos liderados por estudantes, causando um número de mortos nunca oficialmente assumido por Pequim.

Na quinta-feira passada, a polícia de Hong Kong proibiu também a vigília, justificando a decisão com a prevenção da pandemia, dois dias após as autoridades de Macau terem feito o mesmo.

"Em Hong Kong ainda dizem que é por causa da covid-19. Em Macau já nem jogam este jogo", disse à Lusa, na sexta-feira o vice-diretor da organização não-governamental Human Rights Watch (HRW) para a Ásia, Phil Robertson.

A Aliança de Hong Kong de Apoio aos Movimentos Democráticos Patrióticos da China apresentou recurso, mas as autoridades acabaram mesmo por proibir o evento.

"Os comícios e procissões não são atividades recreativas, envolvem os direitos humanos básicos do povo de Hong Kong, mesmo a proteção constitucional, tais como a liberdade de expressão e a liberdade de reunião", afirmou à Lusa Richard Tsoi, histórico membro da Aliança de Hong Kong de Apoio aos Movimentos Democráticos Patrióticos da China, movimento que organiza as habituais vigílias de 04 de junho no território.

No ano passado, em Macau e Hong Kong, as autoridades proibiram, pela primeira vez em 30 anos, a realização do evento no espaço público, uma decisão então justificada com os esforços de prevenção da covid-19.

Na noite de 04 de junho, as autoridades de Macau montaram uma operação e acabaram por deter duas estudantes e filhas do deputado Au Kam San, com os agentes a apreenderem duas velas e um livro sobre Tiananmen.

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