"O Presidente me disse, mais de uma vez, expressamente, que ele queria ter uma pessoa do contacto pessoal dele [para quem] ele pudesse ligar, [de quem] ele pudesse colher informações, [com quem] ele pudesse colher relatórios de inteligência. Seja o diretor [da polícia federal] seja um superintendente", acusou Moro, numa conferência de imprensa.

Falando aos jornalistas na sequência da demissão do chefe geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, que estava subordinado a Moro, o ministro demissionário frisou que deixa o cargo porque Bolsonaro quebrou a promessa que lhe fez de que não iria interferir na autonomia da Polícia Federal e do Ministério da Justiça.

Em primeiro lugar, "houve uma violação da promessa que me foi feita de carta branca [não interferência], em segundo lugar não havia uma causa [para a demissão de Valeixo]. Ficou claro que estaria havendo uma interferência política na Polícia Federal, o que gera um abalo e uma queda de credibilidade não [em relação] a mim, mas ao Governo", explicou Moro.

O ministro demissionário declarou que o Presidente brasileiro lhe disse pessoalmente que queria trocar o chefe geral da Polícia Federal porque estava preocupado com investigações em curso no Supremo Tribunal Federal (STF), que podem evolver os seus filhos ou aliados políticos, e afirmou que o chefe de Estado queria ter acesso a relatórios sigilosos sobre investigações.

"Realmente não é o papel da Polícia Federal prestar este tipo de informação. A investigação tem de ser preservada. Imagine se durante a própria Lava Jato a ex-presidente Dilma [Rousseff] ou o ex-presidente Luiz [Inácio Lula da Saliva] ficassem ligando para o superintendente [da Polícia Federal] em Curitiba para colher informações sobre as investigações em andamento", disse o ministro, que foi o coordenador da Operação Judicial Lava Jato que visou vários políticos, entre os quais aqueles dois responsáveis políticos.

Moro argumentou que chegou a explicar a Bolsonaro que a demissão do diretor-geral da polícia federal poderia gerar uma desorganização dentro da corporação, mas o chefe de Estado brasileiro decidiu exonerar Valeixo sem consultá-lo na manhã de hoje o que tornou sua permanência no Governo impossível.

"O problema nas conversas [que tive] com o Presidente é que [ele não quer] só a troca do diretor-geral, havia também a intenção de trocar superintendentes, novamente o superintendente do Rio de Janeiro, e outros superintendentes, sem que me fosse apresentada uma razão, uma causa para realizar este tipo de substituição", relatou o ministro demisionário.

"Ontem conversei com o Presidente, falei para ele que seria uma interferência política [a troca do chefe da polícia federal]. Ele disse que seria mesmo, falei que isto teria impacto negativo para todos", acrescentou.

Moro, que ficou conhecido como juiz da Operação Lava Jato responsável por condenar dezenas de empresários e políticos, disse que sentiu o dever de proteger a Policia Federal e alegou ter tentado evitar uma crise interna no Governo durante a pandemia do novo coronavírus, mas entendia que não poderia deixar de lado seu compromisso com o estado de Direito.

"De todo modo, no meu entendimento, não tinha como aceitar esta substituição. Há uma questão envolvida da minha biografia como juiz de respeito a lei, ao Estado de direito e a impessoalidade no trato com o Governo. Eu vivenciei isto na Lava Jato. Seria um tiro na Lava Jato", declarou.

O governante demissionário elogiou Dilma Rousseff por ter dado autonomia à Polícia Federal, uma medida que permitiu a concretização da própria Lava Jato, reafirmando a necessidade de um sistema de investigação criminal independente do poder político.

Moro mostrou-se grato pela nomeação para ministro e que agora pretendia descansar antes de determinar o que irá fazer no futuro.

"Infelizmente não tenho como persistir no compromisso que assumi sem que tenha condições de trabalho, sem que eu tenha condições de preservar a autonomia da Polícia Federal para realizar seus trabalhos ou sendo forçado a sinalizar uma concordância com uma interferência política na Polícia Federal cujos resultados são imprevisíveis", concluiu.

CYR // PJA

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