Com 1.180 páginas, o documento apresentado na semana passada pelo senador Renan Calheiros recomenda o indiciamento de outras 65 pessoas e de duas empresas suspeitas de cometerem crimes durante a pandemia de covid-19, que já causou mais de 605 mil mortos e 21,7 milhões de infetados no Brasil.

Os pedidos de indiciamento serão encaminhados para o Ministério Público Federal, a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o Supremo Tribunal Federal (STF), caso o relatório seja aprovado pela maioria dos membros da CPI.

O relatório da CPI também poderá ser enviado a entidades multilaterais, como o Tribunal Penal Internacional (TPI) em Haia.

A maioria das acusações estão relacionadas com ações negacionistas, suspeitas de corrupção e de omissão em relação ao novo coronavírus e às vacinas, que teria aumentado o número de mortos no Brasil.

Ao longo de seis meses de investigação, os senadores que integram a CPI analisaram ações e omissões do Governo brasileiro na pandemia e também investigaram suspeitas de corrupção nas negociações para a compra de vacinas pelo Ministério da Saúde e mortes que teriam sido provocadas pelo uso de tratamentos sem sustentação científica contra a covid-19.

Senadores que apoiam o Governo pretendem ler votos em separado, defendendo Bolsonaro. Estes documentos, porém, não devem ser analisados se o relatório de Calheiros for aprovado, uma vez que os votos em separado ficam prejudicados nesta hipótese.

O relatório final da CPI da pandemia pode ser modificado até à votação final do documento.

No caso de Bolsonaro, as acusações presentes no relatório da CPI são, entre outras coisas, a de propagação de epidemia que resultou em morte, violação de medidas sanitárias, incitamento ao crime, prevaricação, falsificação de documentos e uso irregular de dinheiro público.

"O Presidente incentivou reiteradamente a população a violar o distanciamento social, se opôs ao uso de máscaras, promoveu multidões e tentou desqualificar vacinas", lê-se no relatório.

O documento acrescentou ainda que "esta estratégia, justamente baseada na ideia de que o contágio natural provocaria imunidade colectiva, visa exclusivamente a retoma da actividade económica", ainda que custasse "milhares de vidas".

Bolsonaro também é acusado de espalhar maciçamente informações falsas sobre vacinas.

Dois ministros da Saúde do Brasil, o médico e atual gestor da pasta Marcelo Queiroga e o seu antecessor Eduardo Pazuello, figuram como possíveis indiciados no relatório da CPI.

O documento também propõe os indiciamentos de Onyx Lorenzoni, ex-ministro da Cidadania e atual ministro do Trabalho, Walter Braga Netto, ministro da Defesa e ex-ministro chefe da Casa Civil, e Wagner de Campos Rosário, ministro-chefe da Controladoria Geral da União (CGU).

Completam o grupo dois ex-ministros, Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, e Fábio Wajngarten, da Secretaria Especial de Comunicação Social.

Composta por senadores de várias vertentes políticas, a CPI da pandemia proferiu um veredito devastador para a imagem de Bolsonaro, que faz críticas recorrentes à investigação parlamentar e ao combate à pandemia, que já classificou como "gripezinha".

Para um grupo maioritário de senadores que participaram nos trabalhos, os crimes citados no relatório são intencionais, tendo o Governo de Bolsonaro decidido deliberadamente não tomar as medidas necessárias para conter a circulação do vírus.

A CPI da pandemia não tem competência para instaurar processos judiciais por si só, mas as suas revelações podem ter considerável impacto político. Após votação, o relatório será encaminhado ao Ministério Público, que tem jurisdição exclusiva para indiciar os acusados.

A CPI da pandemia também investigou as responsabilidades do Governo Federal e regional do Amazonas na crise causada pela falta de oxigénio que causou a morte de dezenas de pacientes por asfixia em Manaus, em janeiro passado.

O Governo brasileiro foi ainda envolvido em casos de suspeitas de corrupção na compra de vacinas.

Por fim, a CPI examinou ainda a relação entre pessoas ligada ao Governo acusadas de promover tratamento precoce com hidroxicloroquina e outras substâncias, cuja ineficácia foi comprovada cientificamente.

Uma empresa, a Prevent Senior, que foi elogiada por Bolsonaro durante a pandemia por usar a hidroxicloroquina em pacientes idosos, é suspeita de ter feito experiências com esse tipo de tratamento sem o conhecimento dos seus pacientes e de ter pressionado os seus médicos a prescrevê-los a "cobaias humanas".

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