Bom, mas “regressar ao deslumbramento”, como lema escolhido pela Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF) para o 42.º Encontro Nacional em Tróia, é uma referência inolvidável e estratégica para os médicos portugueses desta especialidade e para o futuro do SNS.

E claro, uma oportunidade de saudar o Presidente da APMGF, Nuno Jacinto.

Ser médico mais do que o exercício de uma actividade, e da nobreza no sentido mais ético do seu entendimento, é um desígnio de dádiva aos outros, de solidariedade para com quem servimos e ajudamos, uma vida bem mais dura do que muitos estimam, que sindicato ou governo algum pode procurar encaixar e tipificar em estereótipos similares aos de outros ramos, obviamente tão respeitáveis quanto o nosso, mas sem a responsabilidade pessoal, cívica, profissional, civil, ética, criminal ou de Humanidade que a Medicina exige e a Sociedade demanda!

Quando a APMGF organiza a edição 42 do Encontro Nacional é impossível não lembrarmos, os mais velhos e que por aí ao longo de anos foram passando, com maior ou menor frequência, nos caminhos percorridos no SNS pela Medicina Geral e Familiar (MGF).

Recordar os escolhos vencidos, as dificuldades ultrapassadas, as experiências sucessivas nem sempre avaliadas e muito menos aproveitadas para o futuro que é já passado, honrar a memória e a dedicação de gerações já não no activo e que serviram o País e os Portugueses, contribuindo decisivamente para a mudança do paradigma da saúde entre nós, são dimensões que afloram ao meu espírito.

Karl Jaspers defendia que filosofar é acordar-nos para as origens, visando um reencontro íntimo e a vontade de agir, ajudando-nos a nós próprios!

Regressar ao deslumbramento poderá ter esse efeito.

Desejo que possa ter tal êxito.

Poderemos naturalmente fazer uma longa discussão, aliás necessária e essencial para uma posição forte na defesa – entrincheirada – em que a MGF está posicionada face às múltiplas modalidades organizativas em vista – ULS, Centros Hospitalares Universitários, USF modelo C e/ou transferência de hospitais públicos para o Sector Social, Parcerias Público-privadas e o que mais por aí virá ainda.

Convivemos com uma crise do valor do trabalho.

No entanto, o trabalho é central na sociedade contemporânea, quer como factor de produção, quer como factor de socialização, no sentido do qual resultam variadas qualificações diversas e, no caso da Saúde, reais direitos sociais e de cidadania.

Por isso, o trabalho médico, em particular, mas também em áreas como a educação ou a segurança, alocam e adquirem uma centralidade absoluta. Daí que seja indispensável assegurar os princípios mais elevados, na visão multidimensional, das sociedades de consumo fácil e de lucro obsessivo.

A especialidade da MGF e o gosto e compensação pessoal que quem a abraça e adopta deve sentir, são de facto prioritários!

O regresso ao deslumbramento servirá para tal desiderato – reaver a paixão e o entusiasmo que a MGF pode proporcionar aos seus executantes!

Por isso ainda, há que reflectir sobre as carreiras médicas, o lugar do sindicalismo e o papel das Ordens Profissionais.

Reconhecem-se défices de participação atingindo os sindicatos, identificam-se movimentos que lhes chamam de inorgânicos, percepcionamos grandes fragilidades e incoerências nos movimentos sociais e confusões entre as verdades e as mentiras que as redes sociais semeiam sem critério, nem punição.

Atravessamos um período de forte e assustadora mudança da situação internacional.

Em Portugal distraídos e estupidificados olhamos para o nosso umbigo.

As questões da Europa e do resto do Mundo, aos Portugueses, afiguram-se como de outro mundo e se este pensamento não mudar rapidamente, o desastre será inevitável.

Rui Cernadas,

Especialista em Medicina Geral e Familiar

O autor escreve de acordo com o A.A.O

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