No decurso da conversa telefónica, Putin "sublinhou que a parte russa está disposta a facilitar o trânsito marítimo de mercadorias sem entraves, em coordenação com os parceiros turcos. Isso também se aplica à exportação de cereais provenientes de portos ucranianos", indicou o Kremlin em comunicado.

A circulação marítima no mar Negro está perturbada desde o início da invasão russa da Ucrânia no final de fevereiro.

A exportação de cereais ucranianos tem sido fortemente afetada, contribuindo para o agravamento da insegurança alimentar mundial. A Ucrânia e os países ocidentais acusam Moscovo de bloquear os portos ucranianos do mar Negro, o que os responsáveis russos refutam.

Nestas condições, a Ucrânia, um dos maiores produtores mundiais de produtos agrícolas, iniciou em maio a exportação de cereais a partir da vizinha Roménia.

As forças ucranianas também minaram as águas próximas dos seus portos para impedir uma eventual tentativa de aproximação russa pelo mar. Algumas minas marítimas já foram detetadas em águas turcas.

A Rússia indicou por sua vez que pode ajudar a ultrapassar as inquietações sobre uma crise alimentar, em troca do levantamento das sanções aplicadas desde a sua ofensiva da Ucrânia.

Durante o contacto com Erdogan, e segundo o Kremlin, Putin também reafirmou que a Rússia poderá "exportar importantes quantidades de fertilizantes e produtos agrícolas, caso sejam anuladas as sanções antirrussas".

O gabinete do Presidente turco também informou hoje que durante o contacto entre os dois chefes de Estado foi ainda abordada a planeada operação militar da Turquia no norte da Síria.

Erdogan indicou nos últimos dias que iria ordenar uma nova incursão militar contra os militantes curdos na Síria para criar uma zona tampão com 30 quilómetros de extensão. No contacto com Putin, indicou ainda que a zona de fronteira ficou acordada em 2019, mas ainda não foi aplicada.

Em outubro de 2019, Ancara desencadeou uma operação contra as Unidades de Proteção Popular (YPG). A Rússia, o regime sírio e os Estados Unidos também possuem tropas nesta região fronteiriça.

A Turquia considera o YPG um grupo terrorista com ligações ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), ilegalizado e que em 1984 desencadeou uma rebelião armada no sudeste turco, com maioria de população curda.

No entanto, o YPG constitui a principal formação da coligação apoiada pelos Estados Unidos no combate ao grupo 'jihadista' Estado Islâmico na Síria, e Washington criticou as anteriores incursões militares turcas.

Erdogan também disse a Putin que a Turquia está preparada para assumir uma função destinada a terminar com a guerra na Ucrânia, incluindo a participação num possível "mecanismo de observação" entre a Ucrânia, a Rússia e as Nações Unidas, prosseguiu a declaração.

As negociações que decorreram em Istambul em março fracassaram, mas a Turquia, que mantém estreitas relações com Kiev e Moscovo, tem repetido por diversas vezes a possibilidade de surgir como um possível mediador.

A ofensiva militar lançada na madrugada de 24 de fevereiro pela Rússia na Ucrânia causou já a fuga de mais de 14 milhões de pessoas de suas casas -- mais de oito milhões de deslocados internos e mais de 6,8 milhões para os países vizinhos -, de acordo com os mais recentes dados da ONU, que classifica esta crise de refugiados como a pior na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Também segundo as Nações Unidas, cerca de 15 milhões de pessoas necessitam de assistência humanitária na Ucrânia.

A invasão russa -- justificada pelo Presidente russo, Vladimir Putin, com a necessidade de "desnazificar" e desmilitarizar a Ucrânia para segurança da Rússia - foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que respondeu com o envio de armamento para a Ucrânia e a imposição à Rússia de sanções que atingem praticamente todos os setores, da banca ao desporto.

A ONU confirmou hoje que 4.074 civis morreram e 4.826 ficaram feridos na guerra, que hoje entrou no seu 96.º dia, sublinhando que os números reais poderão ser muito superiores e só serão conhecidos quando houver acesso a cidades cercadas ou a zonas até agora sob intensos combates.

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