Ao contrário das duas anteriores tentativas de manifestação, que foram reprimidas pela polícia, hoje os manifestantes, na sua maioria jovens, conseguiram concentrar-se no centro da cidade, no Largo 1.º de Maio, e apresentar as suas reivindicações.

Os jovens circularam pela rotunda do largo, fazendo ouvir palavras de ordem, criticando o Presidente da República João Lourenço, o MPLA (partido do poder) e a polícia e exibindo cartazes.

O mote para a manifestação, convocada por membros da sociedade civil, era o combate a corrupção e à impunidade, mas os jovens quiseram também estar presentes para homenagear o colega morto na manifestação do dia 11 de novembro, Inocêncio de Matos, em circunstâncias ainda por esclarecer.

Moisés Comandala, técnico de telecomunicações de 28 anos, disse à Lusa que aderiu ao protesto por "amor ao próximo", mostrando-se preocupado com o agravamento das condições de vida, mas também pela "perda irreparável do herói Inocêncio de Matos".

No seu cartaz lia-se: "Senhor presidente: quantas pessoas terão de morrer de fome para resolver as questões?".

"Vemos as condições a agravar-se de dia para dia e agora a desculpa é sempre a covid. Temos noção de que a pandemia está a afetar o mundo, mas não nos podemos calar quando vemos famílias a recorrer ao contentor do lixo para buscar a sua refeição", disse o jovem à Lusa, apelando à resolução de problemas como o desemprego.

Feliciano Lourenço, professor de 27 anos, disse, por sua vez, que se juntou à iniciativa para defender os seus direitos e os dos demais cidadãos angolanos, contestando o "sistema político que tem poderes sobre tudo".

"Isso não é democracia. Não tem liberdade de imprensa, não tem liberdade de expressão", criticou, lamentando também "a morte do irmão Inocêncio".

"Estamos a pedir ao governo que nos devolva o corpo do nosso irmão, que morreu ajoelhado com as mãos no ar e em momento nenhum atacou a polícia", afirmou, apelando ao bom senso da polícia e alertando para a necessidade do cumprimento dos direitos fundamentais do cidadão, entre os quais o de manifestação, "desde que seja pacífica".

"A polícia ainda não começou a agredir ninguém porque há câmaras", comentou.

Muata Sebastião, um dos organizadores do protesto, sublinhou a colaboração da polícia face ao compromisso de que a manifestação seria realizada de forma pacífica. "É esse tipo de polícia que nós queremos, que colabore, porque os resultados disto não são só para os manifestantes, são para toda a sociedade", disse.

"Nós estamos a reivindicar direitos de todos os angolanos e os policiais também são angolanos", sublinhou o ativista.

Questionado sobre se a adesão ficou aquém do esperado, adiantou que a falta de divulgação e o horário da concentração -- a partir das 12:00, sob um sol intenso -- terá contribuído para dissuadir os manifestantes.

"Esperamos que a mensagem que está a ser passada chegue a quem tem o poder de tomar decisões", declarou, apontando entre as principais reivindicações "tornar o combate à corrupção mais sério e menos seletivo e permitir o desbloqueio da imprensa nacional".

"Se isto continuar assim, vamos continuar a sair à rua até que a resposta chegue", prometeu.

Helena Pereira, outra das promotoras da iniciativa, elogiou a atitude "cordata" e colaborante da polícia que, falou com os organizadores previamente, tendo recebido garantias de que se tratava de "uma marcha pacífica".

O Largo 1.º de Maio era o objetivo da anterior manifestação, marcada para 11 de novembro, dia da independência de Angola, mas não chegou a ser concretizada, pois a polícia dispersou os grupos de jovens que queriam dirigir-se para o local com recurso a gás lacrimogéneo e disparos, garantindo sempre ter usado meios não letais.

Na sequência da manifestação, morreu um estudante de 26 anos, Inocêncio de Matos, mas existem diferentes versões sobre a morte. A versão oficial aponta para que tenha sido vítima de um "traumatismo crânio encefálico" por ofensa corporal com objeto contundente, o que a família rejeita com base em testemunhas oculares, que dizem ter visto o jovem a ser atingido por uma bala e culpam a polícia.

RCR // JLG

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