Iniciou-se a campanha para as próximas eleições legislativas, mas já há um vencido, um perdedor: a Democracia.

A Democracia perde quando os melhores se afastam, quando os mais capazes sentem na política um desconforto insuportável, quando a própria legislação institui o funcionalismo político.

Olhando para lista de candidatos a Deputados os nomes mais sonoros estão ausentes. No PSD, não pode passar despercebida a ausência de Miguel Morgado, Jorge Moreira da Silva, José Eduardo Martins ou Miguel Poiares Maduro, entre muitos outros. No PS também há ausências violentas, desde Sérgio Sousa Pinto a Fernando Medina, passando por Duarte Cordeiro. Tive a honra e o gosto de trabalhar com os dois primeiros, são do melhor que o país tem. Conciliam inteligência com ética, intransigentes nos princípios e determinados nas convicções. São espaços que ficam vazios, nenhum homem é insubstituível, mas o PS não apresenta alternativas para estas lacunas.

No CDS, a lista de ausentes “pesados” é maior que a dos presentes. Nas listas não consta nenhum Ex-Presidente do Partido (Manuel Monteiro, Ribeiro e Castro, Paulo Portas, Assunção Cristas, Francisco Rodrigues dos Santos), nomes como Cecília Meireles, João Gonçalves Pereira, Martim Borges de Freitas ou Nuno Magalhães, não constam das listas. O partido que deve ter mais quadros por militante, não consegue aproveitá-los, não estão mobilizados para a missão. A recente IL também deixou pelo caminho um dos que mais prometia, Bernardo Blanco.

Num tempo de incerteza, em que as variáveis internacionais evoluem, cada vez mais, em sentido contrário ao desejado, em que todos os dias surgem novas ameaças, em que velhos aliados se mostram reféns do inimigo (dos inimigos da democracia), onde tudo é questionado e todo o acervo democrático se encontra ameaçado, o país precisava de ter mobilizado os seus melhores, mas fez o contrário, afastou-os!

É a política da esperança, do projecto, do arrojo, a sucumbir à política da desgraça, do ódio e da inveja. É a democracia a mostrar medo de existir, de se cumprir no seu propósito. É abdicar de ser um instrumento de escolha para passar a ser um instrumento de rejeição. Ao invés de escolhermos os melhores rejeitamos o pior. Votamos pelo medo, não pela convicção. Votamos contra alguém, não por alguém.

É a vitória de desilusão sobre a esperança, é o debate político a focar-se sobre o que não interessa porque sobre o que interessa não sabem falar. É reduzir o combate político aos seus protagonistas, porque não representam mais do que eles próprios.

Vale a pena reflectirmos sobre o caminho que nos trouxe até aqui. Será tema para uma reflexão autónoma e mais profunda, mas desde já é pertinente atentarmos à Lei n.º 52/2019, de 31 de julho, que aprova o regime do exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos. É um diploma que funcionaliza a política, cria tantas incompatibilidades que só quem não tiver mundo, não tiver vida profissional própria, poderá assumir responsabilidades políticas.

Tem disposições tão bizarras como a que dispõe que se consideram “Cargos Políticos” os dirigentes nacionais dos partidos políticos (Al. a), nº3, Art.º 2º), mesmo que não tenham qualquer representação parlamentar, ou recebam qualquer subvenção do Estado. O superlativo do insólito surge quando o mesmo diploma dispõe que têm de exercer o mandato em regime de exclusividade (Art.º6º). Exige regime de exclusividade para o desempenho de funções não remuneradas.

Todo o diploma está contagiado por um populismo gratuito, quer impor tantas limitações a quem assume responsabilidades políticas que só está disposto a aceitá-las quem tem uma grande devoção à causa pública, uma espécie de sacerdócio (serão muito poucos), ou quem tem uma vida profissional tão vazia que nada o afecta. Esta Lei não surge do nada, é o corolário de um ataque continuado, reiterado, recorrente aos titulares de cargos políticos. Um ataque que não isenta de culpas alguma comunicação social sensacionalista, que vive do “quanto pior melhor”.

A democracia tem desconfiado de si própria, funda a legitimidade dos eleitos no mandato de representação obtido pelo voto, mas receia que o soberano (o Povo), faça más escolhas e quer regular, por Lei, o que só à avaliação política compete. Tem sido uma catadupa de normas que afastam os mais competentes da vida política, deixando espaço livre para os mais incompetentes. Outro exemplo aberrante é classificar como PEP qualquer eleito e respectiva família.

É a tempestade perfeita para a estupidificação da política. Poderemos dizer que é a mediocridade mínima garantida. O efeito é perverso, afasta a competência e reduz as escolhas à eliminação dos piores. Curiosamente, ou talvez não, foi através do partido que se dizia contra o sistema e representantes dos portugueses de “bem” que foram eleitos deputados acusados de prostituição infantil e roubo de malas.


Nenhuma lei o conseguiu impedir.