Tudo se precipitou a partir das 08:20 locais (menos uma hora em Lisboa), quando, em plena Avenida Joaquim Chissano, foram lançadas as primeiras granadas de gás para dispersar dezenas de pessoas que se concentravam no local do homicídio de Elvino Dias e Paulo Guambe, apoiantes do candidato presidencial e membros do partido Podemos, ponto previsto para a saída da manifestação convocada para hoje.
Seguiram-se horas de caos, com blindados da Unidade de Intervenção Rápida a circularem nas ruas, lançando consecutivamente gás lacrimogéneo para qualquer aglomerado próximo do local, até ao ponto que manifestantes cortaram a avenida Joaquim Chissano, queimando pneus e atirando pedras à polícia e a qualquer viatura que cruzasse a via.
Sempre perante o voo rasante constante de um helicóptero da polícia, rapidamente os aglomerados de manifestantes se deslocaram para os bairros e subúrbios da zona central de Maputo, com várias nuvens de fumo negro, de pneus queimados e pedras de todas as dimensões espalhados pelas ruas, entre o permanente cheiro a gás lacrimogéneo na cidade.
"Estou aqui manifestando o meu repúdio contra o crime, contra a desigualdade desenfreada, contra o Governo corrupto, contra os assassinatos, contra a violação dos direitos humanos, contra a fome, contra a indigência", explicou Zacarias Doce, um dos manifestantes que se refugiu nesses bairros, a cerca de 250 metros do local da concentração da manifestação de hoje.
Nas mãos empunhava a foto do advogado de Venâncio Mondlane, Elvino Dias, morto na sexta-feira a poucas centenas de metros de distância.
"Esta não é uma manifestação violenta como tal, é uma manifestação super pacífica. A polícia é que vem atacar as pessoas, a disparar gás lacrimogéneo entre as pessoas, mas as pessoas só estão a cantar, como pode sentir, a manifestar a sua indignação, nada mais", garantiu, enquanto as viaturas blindadas se posicionavam no início da rua antecipando uma carga, com lançamento de gás, que aconteceria pouco depois.
"Estou aqui porque estou cansado. Estou cansado de tudo isso (...) Isto já não está a prestar, estamos cansados mesmo, não estamos a trabalhar", afirmou Abel Maresso, enquanto olhava para o posicionamento da polícia, com uma enorme nuvem de fumo preto nas costas, e vários pneus em chamas à entrada do bairro de Polana Caniço.
"A polícia estava a atirar gás lacrimogéneo sem nada, a atirar para casas de pessoas, sem as pessoas fazerem nada. Não fizemos nada de mal, estão a atirar", acrescentou.
Pouco depois a polícia chegava com reforço, carregando nas mãos várias granadas de gás lacrimogéneo, lançado logo de seguida, incluindo para as casas, de onde também, pontualmente, eram arremessadas pedras.
"Estamos a queimar porque eles começaram a atirar gás a nos ofender, nós ficámos mal. Eles é que começaram a atirar gás, logo nós de repente começámos a queimar, eles estavam a passar com blindados", relatou ainda.
Noutro ponto da cidade, na zona do Xiquelene, junto à Praça dos Combatentes, o caos vivia-se pouco depois com dezenas de pessoas nas ruas, seguindo-se nova intervenção da polícia pouco depois, com lançamento de gás lacrimogéneo de forma indiscriminada, incluindo para casas, enquanto a multidão, com crianças, procurava refugio nas ruas interiores.
Por toda a cidade, ao longo do dia, tem sido possível ver ruas intransitáveis, com pedras e pneus a arder, perante a constante passagem de polícias fortemente armados e carros blindados, além de permanente som de disparos em vários locais.
*** Paulo Julião (texto), Estevão Chavisso (vídeo) e Luísa Nhantumbo (fotos) ***
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