A associação que reúne as vítimas de abusos sexuais por parte de padres católicos sugere às estruturas eclesiásticas que avancem com uma campanha televisiva informando, "de forma simples e clara", de que a Igreja Católica está pronta para as compensações financeiras, indicando, por exemplo, "endereço central de e-mail e números de telefone", para que "ninguém, que pretenda ser compensado, fique de fora". Desta forma, segundo a Associação Coração Silenciado, a Igreja falaria "a uma só voz", em vez de fazer diferentes avaliações diocese a diocese sobre os casos de indemnizações às vítimas.

Esta foi uma das conclusões dos dirigentes desta associação, um dia após a reunião em Coimbra com a presidência da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP).

A Coração Silenciado reconheceu que, ao fim de ano e meio, desde a divulgação do relatório sobre os abusos sexuais da Comissão Independente (CI), que era liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, as estruturas da Igreja "progrediram" na abordagem do problema. "Com efeito, o tema da prescrição já está fora de consideração", assumindo a Igreja de que "não está a tratar de um processo jurídico, mas a reconhecer a culpa e o mal causado".

Foi igualmente assinalada uma "evolução" no que respeita às compensações financeiras. "Ao contrário do que dissera Dom Clemente em fevereiro de 2023, quando afirmou que ‘falar de indemnizações será até insultuoso para as vítimas’, hoje discutimos aquelas compensações."

Mas a associação realça a maior divergência que os separa da abordagem do Grupo Vita, liderado pela psicóloga Rute Agulhas. "Contestámos abertamente a avaliação caso a caso. É, para nós, uma questão de humanização e não uma questão burocrática ou de cálculos profissionais da 'qualidade' dos traumas. É preciso evitar, de uma vez por todas, a revitimização dos sobreviventes, o ‘remexer nas memórias’, pois o processo, como neste momento está estabelecido, determina que cada sobrevivente tenha de redigir uma carta a indicar, de forma sucinta, o abuso que sofreu, quando isso já consta no processo de denúncia. Ao termos de justificar à nova comissão, criada para avaliar o impacto que o abuso teve nas nossas vidas, seremos então mais um número sem rosto, sujeitos a uma 'tabela de preços' do sofrimento."

E criticam: "Se o princípio fosse ‘amai-vos uns aos outros’ em vez de 'amai-vos uns aos outros, mas mais uns do que outros', isso determinaria um tratamento igualitário para com todas as vítimas. Seria então um processo mais humanizante e, certamente do ponto de vista da própria Igreja, mais cristão."

Dados pessoais destruídos

A associação confidenciou que a CEP confirmou-lhes que "foram extraídos e destruídos todos os dados pessoais" do Relatório da Comissão Independente. "Pelo que não será possível alguém dizer: 'dei o meu testemunho à CI, o meu nome é fulano/a, autorizo que recolham do Relatório da CI aquilo que contei'." Algo que lamentam: "É frustrante sabermos que todo o trabalho da CI não tinha como objetivo ajudar e acompanhar as vítimas, mas tão somente recolher dados/testemunhos para conhecimento da realidade pretérita e para estatística."