"Responsáveis do Governo e funcionários e voluntários de agências de ajuda humanitária devem considerar as crianças deslocadas internamente como participantes ativos e não apenas como beneficiários. As suas vozes e opiniões importam, o seu contributo deve ser monitorizado e considerado no planeamento de ações de ajuda humanitária", referiu a Save the Children International num relatório.

A ONG considera que as crianças deslocadas internamente "estão conscientes do que acontece com outros deslocados" e que "é importante" que estas percebam que decisões tomadas "não são baseadas em algo que possam ter ou não feito".

"As crianças podem sentir-se excluídas ou discriminadas, o que é especialmente difícil quando já estão em estados tão vulneráveis", acrescenta a organização sediada em Londres.

A ONG refere que, em abril de 2021, cerca de 772.000 moçambicanos, dos quais 348.000 crianças, estavam em alojamentos temporários, como campos de deslocados internos, em casas de familiares ou amigos, ou para locais de realojamento estabelecidos pelo Governo.

A organização de defesa dos direitos das crianças sublinhou também a importância de se dar prioridade à distribuição de materiais escolares básicos, tendo apelado também às autoridades do setor da educação para emitirem diretrizes junto de todas as escolas em comunidades que acolham crianças deslocadas para que estas não tenham de utilizar os uniformes obrigatórios.

A Save the Children International abordou também a importância de explicar a crianças e seus pais as razões e os critérios que levam a que pessoas que não estão em centros de acolhimento de deslocados também recebam assistência humanitária.

"Isto prevenirá mal-entendidos e rumores e ajudar a prevenir o sentimento entre crianças de que são indignos, insuficientes ou alvos de discriminação", frisou.

Da mesma forma, a ONG destacou a necessidade de aumentar a atenção e apoio dados a crianças não acompanhadas, tal como de investir em mecanismos comunitários de proteção de crianças deslocadas.

"Os mecanismos comunitários de proteção de crianças devem estar ligados aos sistemas formais de proteção de crianças a nível distrital, para que os casos possam ser eficazmente sinalizados e geridos", refere o documento.

As sugestões resultam de um exercício conduzido pela ONG entre 22 e 26 de março junto de crianças em Cabo delgado que foram afetadas diretamente pelo conflito em curso na província.

"O objetivo foi assegurar que as suas opiniões são ouvidas não apenas pela Save the Children International, mas também pelos seus pais, líderes comunitários, todos os níveis de governo, agências humanitárias e doadores, para que as intervenções atuais e futuras sejam influenciadas pelos seus pensamentos, opiniões, preocupações e necessidades", explicou a ONG londrina.

No total foram entrevistadas 184 crianças das províncias de Cabo Delgado (142) e Nampula (42), que referiram estar dispostas a voltar à escola.

Grupos armados aterrorizam Cabo Delgado desde 2017, com alguns ataques reclamados pelo grupo 'jihadista' Estado Islâmico, numa onda de violência que já provocou mais de 2.500 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED, e 714.000 deslocados, de acordo com o Governo moçambicano.

A mais recente incursão destes grupos ocorreu em 24 de março em Palma, a quase seis quilómetros do projeto de gás em construção, tendo provocado dezenas de mortos e feridos, sem balanço oficial anunciado.

As autoridades moçambicanas anunciaram controlar a vila, mas o ataque levou a petrolífera Total a abandonar o recinto do empreendimento que tinha início de produção previsto para 2024 e no qual estão ancoradas muitas das expectativas de crescimento económico de Moçambique na próxima década.

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