
Para muitos, é o mais aguardado concerto de sempre do futebol português, festivais da seleção à parte. É verdade que o FC Porto-Sporting de Braga de Dublin, em 2011, está na história como a única final europeia entre emblemas nacionais, mas a quatro dias do choque de titãs que pode decidir o campeonato o País já apagou do mapa as notícias que não digam respeito ao grande debate entre Bruno Lage e Rui Borges.
Até porque o confronto ultrapassa os mestres da tática. Para quem está no topo da hierarquia, o Benfica-Sporting do próximo sábado constitui antes de mais um desafio à sua própria competência, personalidade e coragem para o desempenho da função.
Por muito que se refugiem nas críticas à arbitragem, por muito que apelem à mobilização das massas associativas e por muito que prometam um ilimitado grau de combatividade das equipas que vão subir ao relvado, Rui Costa e Frederico Varandas sabem que o que sair do dérbi irá testá-los como nunca na antecâmara de corridas eleitorais a curto (no caso do benfiquista) e a médio prazo (no que se refere ao sportinguista).
Neste contexto, Lage e Rui Borges podem estar descansados. Ou melhor, deviam estar. Seja qual for o resultado do 10 de maio e o grau de influência na designação do campeão de 2024/25, o despedimento de qualquer um dos técnicos em função do saldo da temporada representaria uma injustiça e acima de tudo uma demonstração de incoerência por parte daqueles que têm como primeira responsabilidade personificar um governo imune à pressão popular.
Desde a célebre derrota com o Casa Pia, que só foi digerida na não menos célebre palestra do míster encarnado na garagem, o Benfica regista uma série de 21 partidas em que só perdeu com o FC Barcelona (duas vezes, oitavos de final da Champions) e em que só consentiu empates com Mónaco (play-off da Champions) e Arouca (jornada 29 da Liga Betclic).
Sobram 17 vitórias nesse ciclo, duas das quais contribuíram para o apuramento para a final da Taça de Portugal, uma das... três provas que Bruno Lage está em condições de arrebatar depois de ter erguido em janeiro a Taça da Liga.
Uma vez que foi o segundo treinador da temporada, o setubalense pode ainda orgulhar-se de ter recuperado da desvantagem pontual herdada de Roger Schmidt e não por acaso fez questão de destacar na antevisão do duelo com o Estoril que não serão os três ou quatro encontros que restam na época que irão balizar a aptidão para o cargo.
Em alto e bom som mandou publicamente o recado, ou seja, em circunstância alguma irá assumir em exclusivo as culpas e sacrificar-se por outros na eventualidade de as águias terminarem o mês apenas com o título de inverno festejado em Leiria.
METIDO NOUTRO GRANDE 21
Como tem eleições agendadas para outubro, Rui Costa dá todos os sinais de não se querer atravessar com a promessa de manutenção de Lage, temendo que a cabeça do antigo adjunto de Carlos Carvalhal seja a única coisa que tenha para oferecer a uma “nação” enfurecida por fracassos ante os eternos rivais.
Mas era exatamente nesse fantasioso cenário que o sucessor de Vieira poderia reafirmar-se como garante da estabilidade e comprovar que toma decisões à margem de estratégias eleitoralistas, observando apenas os interesses da instituição.
Um pouco à semelhança do que se verificou durante os tempos turbulentos de Schmidt, o timing de uma hipotética chicotada psicológica nas costas do seu substituto já se perdeu, bastando recuperar o citado episódio da garagem e da consequente exposição dos pecados de cada um e de todos.
Mesmo que perca o campeonato e a Taça, a dispensa de Bruno Lage faria regressar o Benfica ao ponto zero e na prática significaria que o trabalho até agora efetuado cairia num saco tão roto como as convicções entretanto apregoadas.
Num plano semelhante, situa-se Rui Borges. Nos últimos 21 jogos, desde a derrota com o Leipzig que correspondeu à estreia europeia no banco verde e branco, só voltou a perder na Champions com o Borussia Dortmund (adversário que lhe impôs de seguida um 0-0), consentindo empates com Bolonha (Champions), FC Porto, Arouca, Aves e Sporting de Braga.
A onda triunfal cavalgada neste período pelo transmontano proporcionou um total de 13 vitórias, com a particularidade de não ter sofrido qualquer desaire na Liga e de ter orientado a descolagem de Viktor Gyokeres para um voo que pode levar o sueco à Bota de Ouro europeia.
Um pouco na linha do que aconteceu no outro lado da Segunda Circular, o ex-Vitória pegou no Sporting depois de João Pereira patentear a média de um mísero ponto por jornada (Ruben Amorim deixou os leões na 11.ª ronda com 33 pontos e na 15.ª estavam com 37), sendo conveniente recordar que daí para a frente também não faltaram clientes no departamento médico de Alvalade.
Rui Costa e Frederico Varandas escolheram o silêncio para (não) se pronunciarem sobre a continuidade incondicional dos homens que recrutaram para evitar o naufrágio e cujo futuro não pode em nada estar dependente do desfecho do dérbi.
Se ainda tiverem memória dessas horas em que estiveram quase a bater no fundo, talvez ainda vão a tempo de apresentar uma moção de confiança antes do grande debate de sábado. E quiçá de se sentarem lado a lado nas duas melhores cadeiras no estádio da Luz.
A aguardada final de sábado não merece uma distância sem conserto.