Estava-se no início da década de 30 do século XX, explicou à Lusa José Joaquim Cabral, e o regime português decidiu, na altura, juntar vários deportados portugueses dispersos pelas antigas colónias, decisão tomada após o 04 de abril de 1931, dia do começo da Revolta da Madeira, cujos responsáveis constituiriam o grosso dos degredados.

"Antes de 1931, havia muitos portugueses, antifascistas, espalhados pelas ex-colónias. Mesmo em Cabo Verde havia deportados em várias ilhas. Portugal começa a encarcerar em regime fechado em São Nicolau e aconteceu na mesma altura em que se construíram prisões em Timor-Leste, em Ataúro e Viqueque", explicou José Cabral.

O investigador cabo-verdiano, formado em Gestão de Empresas, participou na conferência internacional "Rota dos Presídios do Mundo Lusófono", que decorreu sexta-feira e sábado no Tarrafal, norte da ilha cabo-verdiana de Santiago, e lamentou que a história tenha menosprezado os que passaram pelas cadeias de São Nicolau.

"Foi na ilha de São Nicolau que estiveram os primeiros deportados políticos portugueses em regime fechado. Primeiro no Seminário, durante a construção da cadeia do Tarrafal de São Nicolau, para onde foram, depois, transferidos os presos políticos, alguns até final de 1932, em regime fechado", relembrou.

Depois, "houve uma amnistia e estiveram em regime semiaberto, uns regressaram a Portugal, mas outros, que faziam parte dos 'irremissíveis inimigos da ditadura', ficaram. Falo do general Sousa Dias, Sílvio Pélico, Manuel Ferreira Camões, major Filipe Sousa, Joaquim Pinheiro Vila e de vários outros a quem foi decretada a pena de residência fixa em Cabo Verde, no caso na ilha de São Nicolau", acrescentou.

Segundo José Cabral, os que foram forçados a ficar aí permaneceram até 1951, altura da segunda amnistia, embora outros tenham sido reencaminhados para outras ilhas, como Santo Antão.

"Muitos ficaram de vez, morreram e foram enterrados em São Nicolau. O Tarrafal de Santiago (criado em 1936) teve uma antecâmara, que foi o Tarrafal de São Nicolau", salientou, frisando que "o que vale agora a pena" é "reavivar e resgatar a memória" dos "valorosos portugueses que estão esquecidos, até em Portugal".

José Cabral lembrou a "forte influência" que alguns dos degredados tiveram então na ilha, salientando os casos de Manuel Ferreira Camões, "um médico, um filantropo, um humanista", "que deixou lá uma extensa prole", e de Joaquim Pinheiro Vila, que ajudou a desenvolver a célebre fábrica de conserva "Sucla".

"Tiveram uma interação social muito forte e é de justiça reconhecer-lhes a obra e vale a pena homenageá-los", realçou, lamentando o "desconhecimento" ainda reinante sobre a história de São Nicolau na rota dos "campos de concentração do Estado Novo".

Considerando que, ao estudar o assunto, está a "destapar um pouco" a história, José Cabral apelou a que se "destapem também" os outros Tarrafais pelo mundo, como na Guiné, Angola, Moçambique e Timor-Leste.

"Estou a fazer a minha parte, destapar o Tarrafal de São Nicolau. Agora, já é menos desconhecido. Mas o desafio fica", concluiu.

Hoje em dia, quer o local onde se situava o seminário quer a prisão são apenas ruínas, embora a Câmara Municipal do Tarrafal de São Nicolau esteja a estudar um projeto para reabilitar os dois edifícios, que depende sobretudo de um financiamento orçado em 72,5 mil euros.

O projeto prevê a transformação de uma das casernas em biblioteca, a cozinha num ciberespaço, o refeitório num centro interativo, a edificação de um marco para a gravação do nome de antigos presos políticos, um miradouro com iluminação pública com energia renovável e a vedação e proteção de toda a área circundante às casernas.

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