Jorge Soares, 67 anos, é o "armador" de brincadeira que, com uma história ligada ao Mar, como a de todos os cabo-verdianos, resolveu resgatar a memória de uma tradição que até nem é de há muito, pois os Cúter, Faluchos, Palhabotes, Escunas, Patachos e Lugres velejaram em pleno ao longo de quase todo o século XX.

Destinados sobretudo ao transporte inter-ilhas num arquipélago com atualmente nove habitadas - a de Santa Luzia já não o é -, os veleiros começaram a desaparecer aos poucos devido ao advento, relativamente recente em Cabo Verde, do barco a motor e da aviação, pondo-se termo a uma das tradições mais antigas da história naval do país.

"Eu chamei a esta exposição "Veleiros de Cabo Verde - A Sua História é a Nossa História" porque, durante muito tempo, desde que Cabo Verde foi achado, a nossa vida é o Mar" explicou à agência Lusa Jorge Soares, cujas miniaturas dos barcos tradicionais das águas cabo-verdianas constituem apenas um "hobby".

"Era o dia-a-dia. Havia portos que tinham transporte de passageiros e de carga praticamente todos os dias, havia outros que tinham mais ou menos movimento, mas sempre houve transporte marítimo inter-ilhas", sublinhou, lamentando que tudo seja agora uma recordação.

Sem nunca ter pensado em os expor, Jorge Soares indicou que começou, "por curiosidade", a construir um a um, dividindo-os em várias categorias.

"Eram os Cúter, mais pequenos, os Faluchos, barcos só de uma vela, com vela latina, e os Palhabotes, já barcos com duas velas. Os nomes originários do inglês e do português e até do árabe", referiu.

Os nomes vêm dos "Cutter" ingleses, os segundos de uma mistura entre um tipo de navio que operava no Mediterrâneo e as Faluas do rio Tejo, e os terceiros do inglês também "Pilot Boats", que faziam o controlo da barra dos portos, pois eram velozes, e passaram a ser utilizados em Cabo Verde como transporte de carga e de passageiros

"Havia também os Iates, que eram pequenos também, as Escunas, que eram barcos com duas velas, mas com calado maior, os Patachos e os Lugres. Estes são os tipos de barco que houve na navegação marítima cabo-verdiana", sublinhou.

De todos, a Escuna foi o único a resistir, mas como museu, nos Estados Unidos, de onde vieram maioritariamente vieram depois de os veleiros da pesca do bacalhau terem sido substituídos por embarcações a motor, permitindo aos cabo-verdianos residentes na América resgatarem-nos e trazê-los para Cabo Verde.

No imaginário cabo-verdiano ainda há nomes de embarcações bem presentes entre os mais idosos: a Escuna "Ernestina, a que serve de museu, o "Madalan", um Patacho "muito luxuoso e grande", que ficou na História de Cabo Verde, e o "Senhor das Areias", um Lugre do Estado "que tinha muito pouca velocidade e, às tantas, o Estado não conseguiu suportar os custos e teve de se desfazer dele".

"Ao longo de quase todo o século XX houve esses barcos na frota cabo-verdiana. Esta exposição veio permitir recolher outros nomes, de capitães, de barcos, e isso estimula-me a prosseguir, a aprofundar a investigação sobre este período", afirmou Jorge Soares, lembrando que, em criança, viajou em todos eles.

"Sou muito curioso. Em criança andei neles", recordou, lembrando ainda a "particularidade" de existirem mornas dedicadas aos barcos que faziam as travessias.

"Ou porque se afundavam, por uma razão ou outra, havia episódios que eram contados em mornas, que ainda hoje se cantam", relembrou, recordando a "Ernestina", "Novas de Alegria" ou "Matilde".

JSD.

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