"Não posso abandonar a liderança do partido, porque, sabe, quando se fala na possibilidade de abandonar a primeira questão é qual é a motivação, porque há pressões internas porque há desafios internos. Isso seria um prémio. Eu fui eleito num congresso", afirmou Domingos Simões Pereira, em entrevista à Lusa.

O antigo primeiro-ministro guineense salienta também que, além de ter um mandato, continua a sentir o apoio da grande maioria dos militantes e dirigentes do PAIGC.

"Eu sinto o apoio da grande maioria dos guineenses que acreditam que aquilo que estamos a fazer está certo e oiço aqueles que se assumem como nossa oposição a terem que se justificar pelos atos que têm tido", disse.

Mas, salientou Domingos Simões Pereira, no dia em que os "órgãos superiores do partido fizerem uma avaliação negativa" do seu desempenho e decidirem que é momento de dar lugar a outro fá-lo-á com "absoluta tranquilidade".

A questão da liderança no partido surgiu após cinco deputados do PAIGC terem aprovado o programa do Governo liderado pela oposição contrariando as orientações do seu partido.

Questionado sobre o presidente do parlamento, Cipriano Cassamá, que é um dos vice-presidentes do partido e que tem sido acusado de estar também a ir contra as decisões do PAIGC, Domingos Simões Pereira disse que todos os "partidos têm dinâmicas internas".

"Essas dinâmicas internas muitas vezes são coincidentes, outras vezes são menos coincidentes. Neste caso, nós estamos a enfrentar uma situação politicamente muito complexa e, portanto, era muito importante que todos os dirigentes do partido estivessem alinhados com a linha de orientação, que o partido definiu através dos seus órgãos superiores", disse.

Mas a avaliação, segundo Domingos Simões Pereira, é da "competência dos órgãos".

"E eu não quero antecipar essa avaliação", afirmou.

Questionado pela Lusa sobre as razões pelas quais está em Portugal, o líder do PAIGC disse que foi "apanhado pelo confinamento" provocado pela pandemia do novo coronavírus e que deixou de haver voos regulares para a Guiné-Bissau, mas admite que tem mais liberdade fora do seu país neste momento.

"Também estou em Lisboa porque eu considero que neste momento, em relação ao clima securitário que se vive na Guiné-Bissau, eu aqui tenho mais liberdade de ação, acompanhamento da situação, e, portanto, não vejo que minha estadia neste momento em Bissau acrescentasse muito mais do que aquilo que eu vou realizando a partir de Lisboa", afirmou.

"Agora, eu quero deixar bem claro que tal como no passado eu estou porque a minha avaliação me leva a acreditar que é melhor estar neste momento aqui. Nenhuma outra condição restringe o meu direito à minha capacidade de estar", acrescentou.

A Guiné-Bissau está a viver um período de especial tensão política desde o início do ano, depois de a Comissão Nacional de Eleições ter declarado Umaro Sissoco Embaló vencedor da segunda volta das eleições presidenciais.

Domingos Simões Pereira, dado como derrotado pela Comissão Nacional de Eleições, não reconheceu os resultados eleitorais, alegando que houve fraude e meteu um recurso de contencioso eleitoral no Supremo Tribunal de Justiça, que não tomou, até hoje, qualquer decisão.

Umaro Sissoco Embaló autoproclamou-se Presidente da Guiné-Bissau em fevereiro e acabou por ser reconhecido como vencedor das eleições pela Comunidade Económica dos Esatdos da África Ocidental (CEDEAO) e restantes parceiros internacionais.

Após ter tomado posse simbolicamente, o chefe de Estado demitiu o Governo liderado por Aristides Gomes, saído das eleições legislativas de 2019 ganhas pelo PAIGC, e nomeou um outro liderado por Nuno Nabian, líder da Assembleia do Povo Unido - Partido Democrático da Guiné-Bissau (APU-PDGB), que assumiu o poder com o apoio das forças armadas do país, que ocuparam as instituições de Estado.

A CEDEAO tinha pedido a formação de um Governo que respeitasse os resultados das legislativas até 22 de maio, mas o prazo não foi cumprido, porque os partidos com assento parlamentar, divididos em dois blocos, reivindicavam ambos ter a maioria para formar Governo.

O PAIGC venceu as legislativas de março de 2019 sem maioria e fez um acordo de incidência parlamentar com a APU-PDGB, Partido da Nova Democracia e União para a Mudança, obtendo 54 dos 102 assentos no parlamento.

Logo no início da legislatura, o líder da APU-PDGB, Nuno Nabian, incompatibilizou-se com o PAIGC e aliou-se ao Movimento para a Alternância Democrática (Madem-G15), segunda força política do país, com 27 deputados, e Partido da Renovação Social, que elegeu 21 deputados.

Apesar da nova aliança, quatro dos cinco deputados da APU-PDGB mantiveram a sua lealdade ao acordo de incidência parlamentar assinado com o PAIGC.

Na segunda-feira, Nuno Nabian conseguiu aprovar o seu programa de Governo no parlamento guineense com os votos a favor de cinco deputados do PAIGC, que contrariaram a decisão do partido e participaram na sessão plenária.

Os restantes deputados do PAIGC regressaram ao parlamento na quarta-feira para anunciar que o partido vai entrar com uma impugnação judicial à aprovação do programa de Governo, alegando "violações grotescas" ao regimento da Assembleia Nacional Popular.

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