
O Ministério Público (MP) moçambicano acusa o político Venâncio Mondlane de ter agido com premeditação e apoiado por terceiros nos cinco crimes de que o acusa, no âmbito das manifestações pós-eleitorais, admitindo rever as medidas de coação.
No despacho de acusação, entregue ao ex-candidato presidencial na terça-feira, na Procuradoria-Geral da República (PGR), em Maputo, e a que a Lusa teve hoje acesso, o MP imputa a Venâncio Mondlane a "autoria material e moral, em concurso real de infrações", os crimes de apologia pública ao crime, de incitamento à desobediência coletiva, de instigação pública a um crime, de instigação ao terrorismo e de incitamento ao terrorismo.
Para o MP, "contra o arguido militam" circunstâncias "agravantes" como "ter sido o crime cometido com premeditação", bem como "cometido mediante convocação, pacto ou execução entre duas ou mais pessoas", recorrendo a "meio de publicidade" e com isso haver "concurso de crimes".
"Não se verificam circunstâncias atenuantes", descreve igualmente o despacho de acusação, que além da prova testemunhal, junta entrevistas, gravações das intervenções de Venâncio Mondlane nas redes sociais, com apelos aos protestos contra os resultados - que não reconhece - e processo envolvendo as eleições gerais de 09 de outubro, em que concorreu a Presidente da República, mas também informação bancária, relatórios do tráfego de chamadas e de transações eletrónicas, entre outros documentos, nomeadamente sobre as consequências dos protestos.
"Por ora, entende-se que deverá o arguido manter-se sujeito ao Termo de Identidade e Residência, já prestado, sem prejuízo da sua alteração em função da modificação das circunstâncias", escreve ainda o despacho.
Na terça-feira, perante um forte aparato policial, com a sede da PGR, em Maputo, interdita à circulação automóvel e pedonal, e com elementos do MP a receberem-no à entrada com coletes antibala, o ex-candidato presidencial explicou, após 30 minutos no interior para receber a notificação, que vai para julgamento, com o apoio de uma "equipa internacional" de advogados, de "consciência tranquila", não reconhecendo os crimes de que está agora acusado.
"Eu prestei um grande serviço a esta nação. É a primeira vez em 30 anos de democracia em que nós conseguimos levar até ao extremo a questão de desvendar, tirar o véu da fraude. Tiramos a máscara da fraude e levamos até a extrema resistência contra um regime ditatorial que se mantém com base nas armas, com base nos assassinatos e nos sequestros", disse aos jornalistas Venâncio Mondlane.
"É a primeira vez desde a independência nacional que o povo moçambicano durante uma semana canta o hino nacional e sente o sentimento pátrio, sente que pertence a uma pátria, sente que tem orgulho de ser moçambicano, tudo isto para mim configura um grande serviço prestado à pátria", afirmou ainda, aludindo aos vários meses de protestos pós-eleitorais em Moçambique.
Nas declarações, acusou a Justiça moçambicana de ser "seletiva", no tratamento deste processo: "É uma Justiça para aqueles que são conformados com o crime, que são promotores desse mesmo crime, recebem privilégios. E aqueles que querem combater esse crime, aqueles que querem combater esse estágio de miséria em que o país se encontra, são combatidos, são perseguidos, são presos, são mortos, são feridos".
Moçambique viveu desde as eleições de outubro um clima de forte agitação social, com manifestações e paralisações convocadas por Mondlane, que rejeita os resultados eleitorais que deram vitória a Daniel Chapo, apoiado pela Frelimo, partido no poder, como quinto Presidente da República.
Segundo organizações não-governamentais que acompanham o processo eleitoral, cerca de 400 pessoas morreram em resultado de confrontos com a polícia, além de destruição de património público e privado, saques e violência, conflitos que cessaram após encontros entre Mondlane e Chapo em 23 de março e em 20 de maio, com vista à pacificação do país.