
A polémica estalou depois de Iva Cabral, filha do "pai" das independências da Guiné-Bissau e Cabo Verde, ter manifestado indignação face à decisão da câmara praiense de instalar um mercado provisório no espaço em torno do monumento construído em homenagem a Amílcar Cabral, assassinado em 1973 em Conacri.
Iva Cabral, que também no ano passado protestou publicamente contra o estado de abandono em que se encontrava o monumento erguido em 2000 para preservar a memória do pai, exigiu às autoridades a retirada da estátua de Amílcar Cabral do local.
Num "post" no seu Facebook, a também historiadora considerou um "desrespeito" que um memorial, considerado património nacional, tenha de dividir o espaço com vendedores de verdura, carne, peixe e outros frescos por decisão da câmara municipal.
"Já tinha ouvido falar sobre a eventualidade desse «arranjo» urbanístico, mas tinha decidido não entrar de novo na luta pela dignificação da estátua do meu pai, achando que já o tinha feito várias vezes e tinha a esperança de que se levantassem vozes para demonstrar o absurdo dessa combinação", afirmou.
A decisão das autoridades municipais de transferir as vendedeiras do mercado do Plateau para o local, enquanto se procede à reabilitação da infraestrutura no centro da cidade, tem sido alvo de críticas, sobretudo do Instituto Nacional do Património Cultural (INPC) e de representantes de uma extinta associação de antigos combatentes, com as duas entidades a apresentarem uma providência cautelar, entretanto já rejeitada.
As críticas estenderam-se na terça-feira ao Governo cabo-verdiano, cujo primeiro-ministro, José Maria Neves, considerou "pouco dignificante" que chefes de Estado que participem nas celebrações dos 40 anos da independência tenham de depositar uma coroa de flores ao lado de vendedeiras.
Também o ministro da Cultura cabo-verdiano, Mário Lúcio Sousa, se manifestou contra, num comunicado.
"Num Estado de Direito Democrático, o Governo já fez tudo o que a lei lhe permite, não lhe restando senão conviver com a situação e manifestar a sua indignação, juntando a sua voz às de centenas de pessoas que se posicionam contra o mercado no local", lê-se no documento.
Na terça-feira à tarde, Ulisses Correia e Silva, presidente da autarquia, desvalorizou a situação, indicando que as vendedoras do mercado do Plateau só serão instaladas por três meses no novo local após as celebrações do "05 de julho".
"Não há nenhum problema de conflito e só irão ser deslocados para lá depois das festividades" do dia da independência, afirmou, garantindo ter o apoio da Fundação Amílcar Cabral (FAC), liderada pelo ex-presidente Pedro Pires, e da Associação dos Antigos Combatentes da Liberdade da Pátria (AACLP).
"Não vejo que haja instituição ou entidade, seja ela o primeiro-ministro ou quem quer que seja, que tenha maior respeito por Amílcar Cabral do que esta câmara", acrescentou, lembrando que, após o regresso das vendedoras ao mercado do Plateau, avançará o projeto para a criação da Praça Amílcar Cabral.
Segundo Correia e Silva, também presidente do Movimento para a Democracia (MpD, oposição), a câmara tem um "compromisso firme" de criar a futura praça, projeto que está a ser trabalhado em conjunto com a FAC e com a AACLP, de forma a "requalificar e dar a devida dignidade a todo aquele espaço".
"Está-se aqui a fazer barulho sem necessidade", considerou Correia e Silva.
O Memorial Amílcar Cabral e o espaço circundante receberam alguns retoques por altura das comemorações do "20 de janeiro" último, data em que se assinalou os 42 anos da morte do herói nacional de Cabo Verde e da Guiné-Bissau.
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