
Regulamentar a representação de interesses "não enfraquece, antes fortalece a elaboração de políticas e aumenta a transparência". A frase poderia ter sido dita, com declaração de interesses, por qualquer agência ou gabinete de lobby e public affairs — e estaria já a ser rapidamente enfiada na gaveta daqueles que confundem estes temas com uma perniciosa tentativa de influenciar decisões de politicas públicas e caminhos de desenvolvimento do país.
A verdade é que a conclusão foi expressa pea insuspeita OCDE, no seu outlook de Integridade e Anti-Corrupção do ano passado. E não se tratava de uma afirmação sem alvo: ela dirigia-se especificamente a Portugal, por constatar as falhas da realidade nacional, com a organização a incitar mesmo o país a regulamentar a representação de interesses.
"A regulamentação das atividades de lobbying é essencial para evitar a captura de políticas públicas por interesses especiais. Um quadro regulamentar que estabeleça definições claras para o lobbying [...] fortalece, em vez de enfraquecer, a elaboração de políticas. Requisitos adicionais de divulgação, como um registo de lobby, aumentam a transparência, permitindo assim a sensibilização do público para os intervenientes que influenciam as políticas", lê-se no documento.
Apesar de sucessivos casos assinalados e preocupações levantadas quanto à eventual influência de grupos de interesses nos fóruns de decisão — recorde-se, por exemplo, como os dois últimos primeiros-ministros foram visados por suspeitas levantadas com maior ou menor grau de seriedade, António Costa na Operação Influencer, Luis Montenegro no caso Spinumviva —, sem esquecer todos os que se fixam nos representantes eleitos à Assembleia da República, esta lei tem, porém, sido consecutivamente adiada. Mesmo perante os alertas da própria Comissão Europeia e da OCDE: "Embora 98% dos deputados tenham apresentado declarações de interesses nos últimos cinco anos, Portugal não acompanha a divulgação dos interesses de ministros, funcionários públicos de alto nível e juízes de alto nível."
Há um ano, Montenegro sinalizou a vontade de recuperar o tempo perdido e consensualizar uma proposta entre os partidos para finalmente regulamentar o lobby. Mas a queda do governo da AD, agora reeleito, provocou novo adiamento numa agenda já demasiadas vezes empurrada para a frente. Agora com a maioria reforçada, terá chegado o tempo de avançar. O que precipita para as organizações duas perguntas de monta: "Investir em Public Affairs e Lobby é uma vantagem competitiva na gestão de sucesso de empresas e organizações portuguesas? E qual o retorno deste investimento?"
Foi a estas duas questões que Domingos Themudo Gallego, licenciado em Relações Internacionais e com uma pós-graduação na Católica Lisbon School of Business and Economics quis responder no trabalho final da sua dissertação do Master of Business Administration do ISCTE, que apresenta na próxima semana e que partilhou com o SAPO. "Podemos demonstrar, de forma clara e fundamentada, que investir em Public Affairs e Lobby é uma decisão estratégica indispensável para empresas e organizações portuguesas que ambicionam crescer de forma sustentável num ambiente global cada vez mais regulado e competitivo", conclui no seu trabalho.
Na análise aprofundada que fez ao tema, o autor argumenta que estas práticas são instrumentos essenciais para moldar o ambiente externo em que as organizações operam, permitindo-lhes alinhar os seus interesses às dinâmicas políticas e regulatórias. "Estas práticas permitem às empresas antecipar mudanças legislativas, influenciar decisões públicas e garantir condições favoráveis ao seu crescimento, sempre com base em princípios de ética e transparência."
Fundamentando a sua análise também com entrevistas a especialistas na área, incluindo Rita Serrabulho, presidente da PAPT e managing partner na Political Intelligence, Diogo Belford, head of Public Affairs da CV&A, ou Henrique Burnay, fundador e senior partner na Eupportunity (empresas que se movem na área, nas suas várias vertentes), mas também responsáveis de empresas como a Brisa (CEO, António Pires de Lima) ou a Sociedade Ponto Verde (Ana Trigo Morais, CEO) e representantes setoriais da Distribuição (APED) ao Imobiliário (APPII), Domingos não tem dificuldade em concluir que "estas práticas garantem um retorno significativo que justifica amplamente o investimento nelas realizado" e que os Public Affairs e o Lobby se destacam como ferramentas essenciais para a gestão moderna, "promovendo a previsibilidade e a estabilidade necessárias para o sucesso das empresas".
"Não são apenas extensões da comunicação institucional, mas pilares centrais da gestão estratégica de qualquer empresa ou organização com dimensão razoável, e a sua transversalidade exige uma integração forte com áreas como comunicação, jurídico e compliance, promovendo uma abordagem holística que alinha as estratégias empresariais com os contextos externos", descreve Gallego. "A capacidade de criar sinergias internas e externas reforça a posição institucional das empresas, permitindo-lhes operar com legitimidade, confiança e influência positiva."
E afinal como se concretiza o valor do retorno, mais do que qualitativamente ou no campo das perceções? Domingos Themudo Gallego reconhece a dificuldade em estabelecer este tipo de parâmetros, que se manifestam em várias dimensões, "tanto tangíveis quanto intangíveis". Porém, consegue concretizar alguns efeitos. "Em termos financeiros, estas práticas traduzem-se na redução de custos operacionais, como a prevenção de penalizações regulatórias ou a obtenção de incentivos fiscais, e na abertura de novos mercados, paralelamente o fortalecimento da reputação institucional revelou-se um dos ativos mais valiosos proporcionados pelos Public Affairs e pelo Lobby, uma vez que asseguram a confiança de stakeholders, decisores políticos e sociedade civil, consolidando a posição das empresas no mercado."
A partir das entrevistas realizadas a mais de uma dezena de atores de relevância e reputação, no trabalho conclui-se ainda a importância destas práticas "na mitigação de crises, na gestão de riscos e na criação de alianças estratégicas que ampliam as oportunidades de negócio". "Embora muitas empresas portuguesas ainda relutem em assumir publicamente os seus investimentos nestas áreas, temendo preconceitos culturais ou falta de compreensão sobre estas atividades, o trabalho demonstrou que tais práticas já são amplamente declaradas pelas mesmas no Registo de Transparência da União Europeia. Este facto evidencia que grandes empresas e organizações portuguesas reconhecem o valor estratégico destas ferramentas e a sua relevância para competir num contexto não só nacional, mas também global, visto que grande parte da legislação nacional advém de diretivas europeias."
A criação de um quadro legal robusto, que inclua "registos de transparência e códigos de conduta", surge assim uma vez mais como uma "necessidade urgente para dignificar estas práticas, promover a confiança pública e alinhar Portugal com as melhores práticas internacionais", ajudando a criar "um ambiente empresarial mais ético, competitivo e sustentável".