Realizado pela organização não-governamental Ajuda em Ação, presente na província de Cabo Delgado desde 2016, e pelo Instituto de Estudos sobre Conflitos e Ação Humanitária (IECAH), o relatório faz uma análise da insegurança alimentar naquela província, que desde 2017 é aterrorizada por ataques de rebeldes armados, alguns dos quais reclamados pelo grupo extremista Estado Islâmico.

O conflito já provocou mais de 3.100 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED, e mais de 817 mil deslocados, o equivalente a mais de um terço da população da província, de acordo com as autoridades moçambicanas. 

Globalmente, estima o relatório, 81% das pessoas deslocadas são alojadas em casas de família ou de amigos, o que na opinião do diretor da Ajuda em Ação em Moçambique revela a solidariedade, "uma qualidade humana profunda", da população moçambicana.

Num 'webinar' realizado hoje para apresentar as conclusões do relatório, Jesus Martí exemplificou com o caso de um conhecido seu em Pemba, que apesar de ter apenas um ordenado de 300 a 400 euros por mês, chegou a acolher 57 pessoas na sua casa.

"De forma precária, é claro, mas é verdade que conseguiu de uma maneira imaginativa e criativa minimizar o impacto que isto teve sobre a sua família (...) e ir realocando essas pessoas", contou, sublinhando que como este caso "há milhares".

"Este tecido humano dá-nos muita esperança, uma vontade de seguir em frente. Mas por outro lado temos o contexto, que é um balde de água gelada que nos cai em cima", lamentou, referindo um contexto "complicado (...) com muitas deficiências a nível económico, social, de acesso aos serviços, que não simplifica o trabalho" das organizações não-governamentais como a Ajuda em Ação.

Segundo o estudo hoje divulgado, o grande afluxo de pessoas deslocadas exerce uma enorme pressão sobre os já escassos recursos das famílias de acolhimento com alimentação, rendimentos e acesso a serviços básicos limitados.

Um terço dos agregados familiares inquiridos alojou-se em habitações partilhadas entre vários grupos familiares, em alguns casos com mais de dez pessoas a viverem juntas.

"A maioria não tinha camas, tapetes nem cobertores, especialmente a população deslocada, que também não tinha acesso a sabão, utensílios básicos de cozinha e latrinas", escrevem os autores do estudo.

As famílias inquiridas, continuam os investigadores, têm pouco acesso a energia elétrica e água corrente, utilizam lenha e carvão para cozinhar e consomem água não potável. "Esta situação continua a ser a mesma nos dias de hoje".

Com base em inquéritos a 1.045 famílias e mais de 5.000 pessoas vulneráveis, o estudo recorre a uma metodologia usada pelo Programa Alimentar Mundial (PAM) para avaliar a segurança alimentar em casos de emergência, que classifica o estado da segurança alimentar de cada família como "pobre", "no limite" ou "aceitável", consoante a frequência com que cada tipo de alimento é consumido.

Segundo as conclusões, globalmente 60% dos agregados familiares inquiridos em Cabo Delgado têm uma situação de segurança alimentar "pobre" e 27% "no limite", sendo que apenas 14% dos agregados familiares têm um estatuto de segurança alimentar "aceitável".

FPA // JH

Lusa/fim