
Na noite de terça-feira, centenas de pessoas protestaram no centro de Kiev e noutras cidades da Ucrânia contra a nova legislação aprovada na terça-feira pelo Presidente Volodymyr Zelensky. Esta põe as agências anticorrupção, anteriormente independentes, sob controlo do Governo.
O gesto atraiu um coro de críticas e preocupações internas e externas, além de receios de abusos de poder. Suscitou também os maiores protestos no país desde que a Rússia lançou a sua invasão em grande escala, em fevereiro de 2022.
Eis algumas perguntas e respostas sobre a controversa lei elaboradas com base em informações publicadas por media internacionais:
O que está em causa na legislação anticorrupção?
A nova lei confere ao gabinete do procurador-geral, nomeado pelo Presidente, autoridade direta sobre os anteriormente independentes Gabinete Nacional Anticorrupção (NABU) e o Gabinete Especializado Anticorrupção (SAPO). O NABU é responsável por investigar a corrupção governamental, enquanto o SAPO supervisiona as investigações criminais iniciadas pelo NABU. Entre os novos poderes do procurador-geral inclui-se a capacidade de aceder a informações dos casos do NABU, o direito de dar orientações vinculativas aos investigadores e a capacidade de encerrar investigações.
Como é que isso prejudica a independência dos organismos anticorrupção?
Colocar a supervisão dos órgãos de fiscalização que investigam alegações de corrupção governamental nas mãos de um apoiante político de Zelensky — o procurador-geral Ruslan Kravchenko — pode minar a independência e a veracidade destas investigações, argumentam os críticos da lei.
Como é que Zelensky justificou a medida?
Num discurso divulgado na terça-feira à noite, em vídeo, após ter ratificado a lei, Zelensky garantiu que “a infraestrutura anticorrupção funcionará, só que sem influência russa”. A referência surge depois de o serviço de segurança estatal ucraniano ter lançado uma série de operações, na segunda-feira, contra agentes do NABU que alegadamente conspiraram com a Rússia. Zelensky criticou o NABU e o SAPO pela condução dos casos, insinuando que estavam a atrasar certas investigações. “Não há explicação racional para processos criminais no valor de milhares de milhões terem sido deixados para trás durante anos”, disse o Presidente. Uma auditoria feita no início do ano ao NABU pela Transparência Internacional – organismo que produz o Índice de Perceção da Corrupção – concluiu que a instituição era apenas “moderadamente eficaz” e observou que não estava imune à pressão política. Os auditores encontraram deficiências, incluindo “ausência de supervisão sistemática das investigações em áreas prioritárias, falta de autoridade para realizar escutas independentes e acesso limitado a exames forenses atempados”.
O que dizem os organismos de fiscalização?
Argumentam que as provas contra os agentes do NABU são obscuras e que as detenções de segunda-feira foram pretexto para minar o órgão de fiscalização, considerando que as alterações à legislação “destroem a independência do NABU e do SAPO e subordinam efetivamente as suas atividades ao procurador-geral”. Segundo o NABU, “o risco da presença de agentes de influência do país agressor continua relevante em qualquer agência governamental, mas isso não pode ser motivo para suspender o trabalho de toda uma instituição”.
O que diz o procurador-geral?
Kravchenko, nomeado por Zelensky para o cargo no mês passado, garantiu que os órgãos de fiscalização vão manter a sua independência. “Não ficam subordinados a mim”, disse num briefing, na terça-feira, assegurando que os departamentos “irão trabalhar nos seus processos criminais” e a Procuradoria-geral irá trabalhar nos respetivos dossiês. “E juntos ajudar-nos-emos uns aos outros”, frisou.
Como estão a reagir os aliados da Ucrânia?
A comissária europeia para o Alargamento, Marta Kos, assumiu estar “gravemente preocupada”, referindo que “o desmantelamento das principais salvaguardas que protegem a independência do NABU é um sério retrocesso”. Já o comissário da Defesa, Andrius Kubilius, lembrou que, na guerra, a confiança entre a nação combatente e a sua liderança é o mais importante, mas não só “é difícil de construir e manter, como é fácil de perder”. O ministro dos Assuntos Europeus francês, Benjamin Haddad, foi mais longe, defendendo que “não é tarde para reverter a decisão”. Em comunicado, o G7 (grupo dos sete países mais industrializados do mundo) admitiu estar seriamente preocupado e anunciou que irá discutir estes acontecimentos com os líderes governamentais.
O que significa isto para o processo de adesão da Ucrânia à União Europeia (UE)?
Os aliados da Ucrânia na UE avisaram que qualquer retrocesso nas reformas do Estado de Direito pode prejudicar a candidatura de Kiev à adesão. “Órgãos independentes como o NABU e o SAPO são essenciais para o caminho [da Ucrânia] para a UE”, alertou Kos, admitindo que Bruxelas continuará “a trabalhar com a Ucrânia nas reformas necessárias para um Estado de direito e no progresso no seu caminho para a UE”. Também o ministro dos Negócios Estrangeiros dos Países Baixos, Caspar Veldkamp, lembrou que “as instituições anticorrupção da Ucrânia são vitais para o seu caminho” na Europa e que “restringi-las seria um retrocesso significativo”. O Ministério dos Negócios Estrangeiros alemão considerou que “a independência e a força das instituições anticorrupção da Ucrânia têm sido fundamentais para os esforços de reforma dos últimos anos” e que “a Ucrânia continuará a ser avaliada em relação ao seu progresso”. Uma delegação da Comissão de Controlo Orçamental do Parlamento Europeu avisou que a nova lei “corre o risco de minar a independência” do NABU e do SAPO.
O que acontece agora?
A lei, que o Parlamento ucraniano aprovou na terça-feira, já está em vigor. No entanto, deputados da oposição continuam a tentar anulá-la. Yaroslav Zhelezniak, do partido liberal Holos, afirmou que iria passar a quarta-feira a fazer pressão junto de organizações internacionais, incluindo a UE, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, para pressionar o Governo de Zelensky a inverter a situação. O político adiantou que os deputados vão apresentar uma proposta de lei para anular a medida, mas reconheceu que é improvável que consigam. Alguns parlamentares planeiam apresentar queixa ao Tribunal Constitucional e solicitar a revogação da lei.