Em declarações à agência Lusa, o responsável da associação de jornalistas da antiga colónia britânica, Chris Yeung, lamentou "o que parece ser mais uma tentativa de limitar a independência editorial em questões relacionadas com os interesses e as políticas da China", considerando que o caso "agrava as preocupações em Macau, e não apenas em Hong Kong, sobre as políticas básicas do Governo central [chinês] em relação às duas RAE [Regiões Administrativas Especiais]".

Na quarta-feira, os cerca de 40 jornalistas de língua portuguesa e inglesa de emissora pública de Macau, que conta com canais de televisão em português, inglês e chinês, e rádio em língua portuguesa e chinesa, foram notificados para comparecer numa reunião com a direção de informação, uma informação confirmada à Lusa por vários jornalistas da estação.

A direção de informação transmitiu verbalmente diretrizes como "a TDM divulga e promove o patriotismo, o respeito e o amor à pátria e a Macau" e "o pessoal da TDM não divulga informação ou opiniões contrárias às políticas do Governo Central da China".

Yeung alertou que a diretiva "corre o risco de ser interpretada arbitrariamente para cobrir tudo aquilo com que o Governo se sinta insatisfeito em relação ao que os meios de comunicação social noticiam".

"O efeito imediato será a pressão sobre os profissionais de comunicação social", acrescentou, alertando que esta "poderá levar à autocensura".

A carta que foi lida aos jornalistas aponta ainda que a TDM apoia o princípio fundamental de que a Região Administrativa Especial de Hong Kong é governada por patriotas, tal como foi defendido na Assembleia Nacional Popular chinesa, na semana passada, e apoiado publicamente pelo executivo de Macau.

Para Chris Yeung, esta orientação configura "pressão para os jornalistas serem mais cuidadosos ao lidarem com histórias relacionadas com os desenvolvimentos políticos em Hong Kong", um território na mira de Pequim, que impôs leis draconianas após as manifestações pró-democracia em 2019.

"Estamos a ver propaganda maciça em Hong Kong, e penso que o que aconteceu em Macau faz parte de uma campanha de propaganda tentando influenciar a opinião pública e [os meios de comunicação social] para não levantarem pontos de vista dissidentes", disse.

A antiga colónia britânica vive atualmente uma situação difícil para os jornalistas e as liberdades em geral, recordou Yeung, após a imposição de Pequim da lei da segurança nacional, em junho passado, que levou à detenção ou ao exílio de milhares de militantes pró-democracia.

Admitindo que a situação "já é bastante má", Yeung disse temer que a reforma eleitoral no território, aprovada na quinta-feira pela China, para garantir que Hong Kong é governado por "patriotas", venha a agravar as condições para o exercício do jornalismo.

"As alterações ao sistema eleitoral enfraquecerão a legislação, o que também é mau para a imprensa. A futura legislatura, dominada pelos conservadores [pró-China], poderá fazer o que quiser, [incluindo] promulgar mais leis que restringem a liberdade de imprensa", antecipou.

O responsável da associação de jornalistas de Hong Kong defendeu ainda que é preciso "continuar a lutar" pela liberdade de imprensa nos dois territórios sob administração chinesa.

"Tenho a certeza que há muitos jornalistas dedicados em defender a liberdade de imprensa [em Macau}, o que é importante para manter o controlo e o equilíbrio de quem está no poder", concluiu.

Um jornalista da TDM, que pediu para não ser identificado, disse na quinta-feira à Lusa que pelo menos um editor já colocou o lugar à disposição. O não cumprimento das novas diretrizes dá despedimento por justa causa, adiantou.

A emissora pública de televisão e rádio de Macau disse hoje que "não irá alterar a sua política atual em matéria de cobertura noticiosa", mas que esta será alinhada com o "princípio do patriotismo e do amor por Macau".

"Enquanto organismo público de radiodifusão, a TDM continuará a cumprir a sua responsabilidade social nos meios de comunicação social e a aderir ao princípio do patriotismo e do amor por Macau", indicou a emissora num comunicado em chinês, sem nunca referir a reunião onde foi lida a polémica diretiva.

A Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau (AIPIM) e o Sindicato de Jornalistas de Portugal manifestaram hoje "enorme preocupação" com as diretivas.

A transferência da administração de Macau ocorreu no final de 1999, dois anos depois de a China ter recuperado a soberania sobre Hong Kong.

A lei básica de Macau, que deverá estar em vigor até 2049, garante aos residentes "liberdade de expressão [e] de imprensa".

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