"Foi uma sensação de muito vazio porque o Carnaval está muito enraizado em São Nicolau, e quando não acontece sente-se um vazio, mas as pessoas acabaram por entender, tendo em conta à situação que nós estávamos a viver", começou por recordar à Lusa Emanuel Cabral, presidente do grupo Copacabana, o mais antigo da ilha e um dos três que desfilam nas ruas da Ribeira Brava, um dos dois municípios da ilha, com cerca de 7.000 habitantes.

"Nestes dois anos foi um pouco difícil. O Carnaval em São Nicolau é uma tradição, é uma festa que todos nós gostamos. Os são-nicolaenses vivem o Carnaval no sangue", completou Maria Ramalho, do grupo Brilho da Zona, da zona de Caleijão, com 30 anos a levar a folia para as ruas, mas compreende que foi "por uma boa causa".

O presidente da Câmara Municipal da Ribeira Brava, José Martins, reconheceu o "papel importante" do Carnaval na economia local e disse que em dois anos faltou "muita coisa" às pessoas que vivem e fazem intensamente essa festa.

Com dois anos sem brincar o Carnaval, as ideias é que não ficaram paradas e todos já estão a ver formas de colmatar o vazio e fazer com que a festa continue a ser grande e a promover a denominada de "ilha de Chiquinho" e seus dois municípios.

Mesmo sem o mediatismo e dimensão de São Vicente, o mais emblemático do país, a manifestação cultural de São Nicolau é caracterizada pela sua espontaneidade, mas também pelo voluntariado e pela convivência no antes e durante os desfiles nas ruas estreitas e calcetadas do município.

"Qualquer pessoa que chega a São Nicolau consegue rapidamente fazer parte da festa. E são aspetos que nós queremos continuar a preservar", prometeu Emanuel Cabral, apontando ainda o civismo como outro ponto forte da festa do Rei Momo na ilha.

"Sabemos que as nossas ruas são estreitas, o principal sambódromo, que é o Terreiro, também é pequeno para acolher todos os grupos", lamentou, referindo ainda à organização dos desfiles, que acontecem durante três dias, sábado, domingo e na terça-feira de Carnaval.

E o tiro de partida vai ser dado em 13 de agosto, com o tradicional Carnaval de Verão, que pela primeira vez vai juntar os três grupos da ilha - o outro é Estrela Azul - para um único desfile, seguido de um baile.

"Espero que o Carnaval de Verão venha a ser uma bomba, uma festa muito grande e muito boa. Já estamos nos preparativos", perspetivou Maria Ramalho, dizendo que vai ser algo diferente, não só porque ainda vai ser realizado em pandemia, mas porque vai juntar os três grupos da ilha.

"Neste momento, não há rivalidade, não tem Copa, não tem Estrela, não tem Brilho da Zona, somos São Nicolau, juntos para fazer um só grupo. Eu tenho a certeza que vai ser uma grande festa", traçou a responsável organizacional.

Copacabana tem um staff de entre 60 a 70 elementos, e todos os anos pode colocar até 300 pessoas nas ruas para os desfiles, segundo o presidente, que deu conta que esse número pode variar, de acordo com a adesão dos emigrantes, outro elemento importante em toda a festa.

E precisamente a pensar nos muitos emigrantes que regressam à ilha de férias, que o presidente de Copacabana prometeu uma folia com uma "dimensão maior".

"No fundo é o relançamento do Carnaval e, ao mesmo tempo, o lançamento do Carnaval de 2023", projetou Cabral, indicando que o desfile de Verão vai também resgatar memórias, nomeadamente a figura da comédia.

"Já estamos mortinhos para vir desfilar", manifestou a porta-voz de Brilho da Zona, grupo do norte da ilha de São Nicolau, constituído maioritariamente por mulheres chefes de família, com muitas dificuldades em se organizar numa localidade com poucos jovens, disse a presidente.

Mas tem cerca de 60 pessoas que trabalham na organização do desfile, que por ano tem um orçamento a rondar os dois milhões de escudos (18 mil de euros), a maior parte suportado por emigrantes cabo-verdianos.

Mas lamentou que agora o grupo que dirige e todos os outros vão enfrentar o problema do aumento generalizado dos preços dos produtos. "Mas com amor e tanto esforço, tudo vai", sentenciou.

Quem também não dispensa a ajuda dos emigrantes é Copacabana, cujo orçamento pode chegar aos seis milhões de escudos (54 mil euros) e ter até 300 figurantes nas ruas da Ribeira Brava.

"O maior patrocinador do Carnaval de São Nicolau é o povo", notou Emanuel Cabral, referindo que a participação nos desfiles flutua de acordo com adesão dos emigrantes, pelo que promete transformar a festa num produto turístico para atrair mais pessoas.

"Daí que a sua retoma, para nós, é de extrema importância", afirmou o presidente da Câmara Municipal, dando conta que a autarquia já está a preparar um plano de retoma, conjuntamente com os três grupos e o Ministério da Cultura, que passou por formação e apoios financeiros aos fazedores da folia.

"Vamos fazer tudo para trazer a qualidade que sempre foi e a desejada, mas sobretudo vencendo os desafios", garantiu o autarca, esperando um "Carnaval para todos", num município onde praticamente todas as casas envolvem-se diretamente na festa.

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