"A bancada da Fretilin quer pedir ao Ministério Público que inicie um processo de investigação ao ex-comandante geral da PNTL, Longuinhos Monteiro, e ao ex-primeiro-ministro Xanana Gusmão para estabelecer os factos do porquê da proteção aos suspeitos", disse hoje o deputado Francisco Branco, no parlamento.

"Porque é que os cinco suspeitos eram tão importantes para que o comandante geral da polícia e o primeiro-ministro tenham dado ordens para a PNTL os proteger", referiu.

Branco referia-se a um caso que remonta a 2012, quando o Ministério Público acusou o então diretor de Investigação Criminal da Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL), Calisto Gonzaga, de abuso de poder e de sequestro.

O caso tem sido alvo de vários recursos, o último dos quais, a que a Lusa teve acesso, foi assinado a 13 de fevereiro deste ano pelos juízes Maria Natércia Gusmão, Jacinta Correia da Costa e Duarte Tilman Soares do Tribunal de Recurso.

A história remonta a outubro de 2012 no decurso de uma ação de fiscalização envolvendo os Serviços de Investigação Criminal Nacional (SICN) e os Serviços de Inteligência Nacional, destinada à captura dos cinco homens que "eram suspeitos de ter na sua posse estupefacientes com o peso total de 6,5 quilos" em dois hotéis em Díli.

Os quatro cidadãos indonésios e um sul-africano foram detidos em flagrante delito pelo crime de tráfico ilícito de droga.

Quando estavam preparados os autos de detenção, Calistro Gonzaga, que era na altura comandante dos Serviços de Investigação Criminal Nacional (SICN) da PNTL, ordenou aos agentes que não apresentassem os detidos ao Ministério Público (MP), mas sim à Agência Nacional de Narcóticos indonésia (BNN na sigla em indonésio).

A 26 de outubro o arguido fez o termo de entrega dos detidos à BNN, acompanhando-os até Jacarta, tendo ordenado que os suspeitos "detidos ilegalmente mais de 72 horas" num dos hotéis em Díli.

Em tribunal, Calistro Gonzaga disse ter recebido ordens do então comandante da polícia, Longuinhos Monteiro, e do então primeiro-ministro, Xanana Gusmão, "para não participar os factos" e manter os suspeitos detidos até os poder entregar às autoridades indonésias.

O Tribunal de recurso considera que o arguido sabia das suas obrigações legais, incluindo de apresentação dos suspeitos ao MP, de que não os poderia manter detidos mais de 72 horas sem apresentação a juiz e que a sua conduta "punha em causa o próprio Estado de Direito e causava prejuízo aos suspeitos".

Gonzaga impediu que os suspeitos fossem julgados em Timor-Leste e "agiu livre, consciente e deliberadamente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas penalmente".

Calistro Gonzaga foi inicialmente acusado de um crime de não participação, em autoria material, e de abuso de poder, sendo esta segunda acusação alterada posteriormente para cinco crimes de sequestro.

Inicialmente, o Tribunal de Díli deu como "não provado" que Gonzaga tivesse recebido ordens de Longuinhos Monteiro e Xanana Gusmão.

Porém, o Tribunal de Recurso sustentou que, até pelos depoimentos de ambos, "resulta inequívoco que o arguido recebeu ordens de ambos para não participar os factos em causa às autoridades judiciais [timorenses] e para os manter detidos até os entregar à BNN da Indonésia".

No seu depoimento, Xanana Gusmão defendeu o arguido, confirmou as ordens e explicou que a captura dos suspeitos ocorreu com base em informações recebidas da Indonésia, que "pediu a colaboração" de Timor-Leste na detenção, no quadro de uma "operação delicada", mas que acabou por ter "um grande sucesso".

Gusmão, explica-se no texto, "disse que o Governo tentou fazer tudo isso para evitar ou desaparecer a perceção de que o país é um país de tráfico de droga".

O tribunal acabou por reduzir a pena para um total de três anos de prisão, suspensa durante quatro anos.

Francisco Branco disse que os factos determinados pelo Tribunal de Recurso deixam várias questões, que importa clarificar.

"Porque é que naquela altura o comandante da PNTL e o primeiro-ministro deram ordens para Calisto Gonzaga fazer uma detenção ilegal? E porque Longuinhos Monteiro e Xanana Gusmão deram ordens para esconder os suspeitos do sistema judicial de Timor-Leste?" questionou.

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