
Iniciar e concluir o Ensino Superior é cada vez mais difícil para grande parte da população estudantil. Dados recentes apontam que mais de 10% dos estudantes universitários desistem após o 1.º ano e que o custo médio mensal da frequência deste nível de ensino ronda os 900 euros.
Nestas Legislativas também isso foi a jogo e os Portugueses pronunciaram-se. Após a aprovação do Programa do Governo na Assembleia da República, com larga maioria, importa saber o que podem os Estudantes do Ensino Superior esperar do novo Governo.
Nas menos de 10 páginas que o Programa do XXV Governo Constitucional dedica ao Ensino Superior, Ciência e Inovação, é dado destaque a temas como o acesso ao Ensino Superior e a Ação Social. No preâmbulo do capítulo é referido que a igualdade de oportunidades no acesso é uma condição de justiça e que o sistema de ação social não pode deixar ninguém de fora por razões económicas. Infelizmente, a trajetória dos últimos anos tem sido no sentido oposto, com reforço das desigualdades no acesso, elitização, e com muitos estudantes a serem obrigados a desistir da prossecução de estudos.
Entre os objetivos do Governo estão também alguns de médio prazo (até ao final da legislatura), como colocar a percentagem de diplomados da faixa etária dos 25 aos 34 anos em mais de 50%, duplicar o número de camas em residências estudantis, e chegar aos 3% do PIB em investimento na Ciência e Inovação.
Em matéria de ação social, o destaque vai para as residências estudantis (apesar de alguns volte-faces do Governo anterior, cujo ministro era o mesmo, como o caso do cancelamento da Residência da Avenida 5 de Outubro em Lisboa), tidas como instrumentos triplos: integração, sucesso e bem-estar dos Estudantes.
Entre as medidas de alojamento estudantil estão parcerias do Estado em toda a linha, desde com as próprias Instituições de Ensino Superior (IES), com as Autarquias Locais, Privados e Terceiro Sector. Tudo pelo objetivo de construir residências com custos acessíveis, seja através de investimento público total ou por parceria público-privada. Destaque também para a manutenção do programa “Alojamento Estudantil Já” com a INATEL e a Movijovem, e da linha que financia as IES a contratar camas com entidades privadas e sociais.
Resta saber se as medidas que envolvem parcerias com privados e setor social permitirão alcançar preços aceitáveis para os jovens deslocados e que não envolvam uma sobre-subsidiação do Estado a estas entidades. As experiências que têm existido, por exemplo aquelas apadrinhadas por Carlos Moedas na capital, não têm provado capacidade de resolver o problema dos estudantes portugueses ou com condições económicas menos favoráveis (como é o caso de muitos dos Estudantes vindos da Comunidade de Países de Língua Portuguesa).
Quanto ao programa “Alojamento Estudantil Já”, tem sido criticado por oferecer quartos que, naturalmente, não estão adaptados às necessidades dos Estudantes. O programa de financiamento de contratação de camas pelas Universidades tem ficado entravado na inexistência de camas concentradas que permita a gestão logística adequada pelas IES, ou então nos preços elevadíssimos que retraem a aposta destas instituições.
Mas prevê-se também a continuidade do investimento central direto na criação e requalificação de residências, através do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e do Portugal 2030, bem como manutenção da política de recuperação dos devolutos do Estado para esta nova função.
Relativamente ao PRR, já não é possível apresentar-lhe novos projetos, pelo que se presume que o Governo refere aqui medidas que já vêm de trás e já estão, em grande número, na fase de execução. Quanto ao reaproveitamento dos devolutos do Estado para uma nova função socialmente útil, tarda em entrar em velocidade cruzeiro. A aposta tem passado principalmente por projetos pontuais, sem a identificação abrangente de todos os edifícios com este potencial. E sobretudo sem a decisão política de avançar a todo o gás, que poderia inclusivamente permitir ganhos de escala e poupança para os cofres do Estado.
Em matéria de alterações da legislação do Ensino Superior, continua a aposta no tema quente do Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior (RJIES), cuja revisão autoprevista já deveria ter acontecido há vários anos. O Governo mantém a sua proposta de revisão (que chegou a ser discutida na Assembleia da República, mas acabou por caducar com a dissolução do anterior Parlamento). Esta proposta veio trazer sobretudo a novidade de eleição direta do Reitor por toda a Comunidade Académica e não através de outro órgão, bem como maior independência do órgão de supervisão do executivo, o Conselho Geral, o que em tese torna o sistema ligeiramente mais democrático.
Quanto às propinas e taxas, o Programa do Governo é silencioso. A eventual ideia mais ruidosa da AD será aquela que não constava do seu Programa Eleitoral nem deste documento (curiosamente ou não). O Governo não faz qualquer referência ao “descongelamento” de propinas, apesar de o Ministro da Educação abordado tal hipótese por diversas vezes no último ano e de a nova Secretária de Estado também a ter defendido no passado. Terá a ideia caído ou será uma surpresa guardada para o próximo Orçamento de Estado?
Vários são os desafios que atravessa a nossa Academia, desde logo o de continuar a ser um elevador social para os jovens de famílias socialmente fragilizadas. O cenário político atual é incerto, mas esperam-se pelo menos dois anos de relativa estabilidade. Conseguirão Montenegro e Fernando Alexandre demonstrar que é possível a um Governo de centro-direita não contribuir para a elitização do Ensino Superior?