
A Organização Mundial da Saúde não irá impor a "tirania sanitária global" a partir do próximo sábado, dia 19, ou daí a dois meses, a 19 de Setembro, quando entrarem em vigor as emendas ao Regulamento Sanitário Internacional.
Alegação: emendas ao Regulamento Sanitário Internacional representam "tirania sanitária global"
Uma petição internacional lançada no início de julho, atualmente com mais de 275 mil assinaturas, acusa a Organização Mundial da Saúde (OMS) de pretender "controlar" a saúde mundial através da "tirania sanitária global", nomeadamente após a entrada em vigor das novas disposições do Regulamento Sanitário Internacional (RSI): https://archive.ph/wzfPa.
Numa carta dirigida aos presidentes ou primeiros-ministros, os subscritores solicitam que os respetivos países não aprovem as emendas ao Regulamento, um acordo mundial vinculativo adotado em 1969 e já revisto várias vezes, incluindo em 2005 (versão em vigor), alertando que "essas emendas passarão a ter força legal obrigatória em Portugal caso o governo não envie uma carta formal de rejeição à OMS até 19 de julho de 2025."
Segundo o texto da petição, essas alterações foram aprovadas "de forma sorrateira, sem votação, sem registo, sem transparência" na Assembleia Geral da OMS realizada em maio de 2024 e o novo texto "dá à OMS poder legal real para: declarar emergências de saúde globais sem provas ou consentimento; impor 'lockdowns' (confinamentos), vacinas obrigatórias, censura e vigilância; ignorar as leis de Portugal e suspender liberdades individuais".
Paralelamente, circulam alertas no mesmo sentido nas redes sociais abertas e fechadas, como o WhatsApp, embora em alguns casos se confunda o RSI com o novo 'Tratado sobre Pandemias' da OMS, um acordo global adotado já em maio deste ano, mas que só estará disponível para ratificação em 2026, após serem concluídas as negociações de um anexo.
Numa das mensagens que circulam em português, escreve-se que "os países que não rejeitarem formalmente o RSI atualizado ficarão automaticamente vinculados --- sem voto público, sem debate, sem escrutínio" e serão alvo de "vigilância em massa, identificações digitais de saúde, confinamentos sob comando, rastreamento genómico global e censura disfarçada de 'controlo de infodemia'" (https://archive.ph/I32mD).
Factos: prazo para oposição termina a 19 de julho e Portugal não apresentará reservas
É verdade que no dia 19 de julho termina o prazo para a maioria dos Estados-parte do RSI apresentarem recusas ou reservas às alterações adotadas na 77.ª Assembleia Mundial da Saúde (AMS) de 2024, através da Resolução WHA77.17 (https://archive.is/989nx), dado que foram notificados em 19 de setembro de 2024 e tinham 10 meses para se pronunciarem. Dois meses depois dessa data, a 19 de setembro de 2025, as alterações entram em vigor nesses países.
A exceção são os quatro países que recusaram a alteração de prazos adotada na Assembleia de 2022 - que reduziu de 18 para 10 meses o prazo para apresentação de recusas ou reservas, e de 24 para 12 meses a data de entrada em vigor. Assim, Países Baixos, Eslováquia, Irão e Nova Zelândia têm até março de 2026 para se pronunciarem e, caso não o façam, só estarão vinculados ao novo texto do RSI em 19 de setembro de 2026.
Entre outros aspetos, as alterações introduziram a definição de "emergência por pandemia", bem como um mecanismo de declaração dessa emergência para desencadear uma colaboração internacional mais eficaz. O novo texto cria também a figura de autoridades nacionais para o RSI, mas cabe a cada Estado criar ou atribuir essa responsabilidade a entidades nacionais.
No entanto, é falso que a adesão ao novo texto do RSI permita à OMS impor uma "tirania sanitária global", sobrepondo-se à soberania dos Estados-Parte. "A OMS não terá capacidade para impor quaisquer medidas de saúde, incluindo 'lockdowns' ou outras restrições, às populações de qualquer país", clarifica a organização neste conjunto de perguntas e respostas frequentes: https://archive.ph/YqF7K.
É também isso que está estabelecido no texto do RSI, no ponto 4 do artigo 3.º, que não sofreu qualquer alteração: "(...) os Estados têm o direito soberano de legislar e aplicar as leis com vista à execução das suas políticas em matéria de saúde. Ao agir deste modo, os Estados devem favorecer os objetivos do presente Regulamento".
Foi também esse o entendimento da Comissão Europeia, que na proposta de decisão do Conselho (https://archive.is/NsRDP) considerou que "as alterações do RSI (...) não excedem o necessário para alcançar o objetivo estratégico global que é reforçar a preparação, a vigilância e a resposta em matéria de emergências de saúde pública a nível mundial".
O executivo de Bruxelas entende também que "o artigo 3.º, n.º 1, do RSI estabelece que o regulamento é aplicado no pleno respeito pela dignidade das pessoas, pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais", disposição que não foi alterada ou comprometida pela Resolução WHA77.17.
Quanto à posição de Portugal, a Lusa Verifica apurou junto do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) que o país "acompanha o sentido da Decisão 2025/1129 do Conselho da União Europeia (https://archive.ph/S9P75), que convida os Estados-Membros a aceitar, no interesse da UE, as alterações ao RSI constantes do anexo da Resolução WHA77.17."
A mesma fonte explica que "as emendas apresentadas em 2024 refletem a necessidade crítica de fortalecer o RSI para melhorar a prevenção, a preparação e a resposta a emergências de saúde pública que representem risco de disseminação internacional, tendo por base a equidade, a transparência, a confiabilidade, a soberania, a colaboração e a assistência."
Nesse sentido, Portugal participou também na negociação do novo acordo internacional sobre prevenção, preparação e resposta a pandemias, designado Acordo sobre Pandemias, que "deverá permitir reforçar as capacidades nacionais, regionais e mundiais, bem como a resiliência a futuras pandemias."
"O objetivo é estabelecer, através dos dois instrumentos, um quadro internacional coerente que trate todo o espetro de emergências de saúde pública", explica o MNE, acrescentando que "nos termos do artigo 21.º da Constituição da OMS, a AMS tem competência para adotar regulamentos a medidas sanitárias e de quarentena e a outros procedimentos destinados a evitar a propagação internacional de doenças".
Este novo Acordo sobre Pandemias, também conhecido como Tratado Pandémico, foi adotado na 78.ª Sessão da AMS, realizada em Genebra, a 27 de maio, com 124 votos a favor, nenhuma objeção e 11 abstenções, após três anos de intensas negociações (https://archive.ph/Fd5rP) e de ter sido alvo de várias campanhas de desinformação (exemplos: https://archive.is/nWZ8m e https://archive.ph/Kjv99).
Mas o processo não está concluído porque falta ainda negociar o anexo sobre acesso e partilha dos benefícios relativamente a agentes patogénicos. "O resultado desse processo deverá ser discutido na 79.ª AMS, em maio de 2026, e o acordo entrará em vigor após ratificação por um mínimo de 60 Estados-Membros", explica o MNE.
Avaliação Lusa Verifica: Falso
Uma petição internacional a caminho das 300 mil assinaturas alerta para uma alegada "tirania sanitária global" e pede aos governos, incluindo o português, que rejeitem as emendas ao Regulamento Sanitário Internacional da Organização Mundial da Saúde. O RSI é um acordo internacional vinculativo que regula a cooperação perante epidemias, mas não retira soberania aos Estados parte. E o Acordo Pandémico ainda não está em vigor nem disponível para ratificação.