No coração de Lisboa, o telemóvel de Ousman Manjang, azulejador, vibra com um fluxo constante de notificações. No pequeno ecrã, tocadores de tambor batem um ritmo tradicional da Gâmbia enquanto mulheres com vestidos coloridos dançam alegremente. É um casamento na Gâmbia. Apesar de estar a quase 4.000 quilómetros de distância, ele sente-se como se estivesse lá pessoalmente.

Com um toque e um deslizar de dedo, um vídeo do WhatsApp coloca-o no centro da sua comunidade, como se nunca tivesse partido. “Culturalmente, continuo a acompanhar muitos eventos tradicionais, estou informado sobre o que se passa na minha terra, e participo em conversas políticas sobre as coisas erradas que o meu governo está a fazer. É como estar tão longe e, ao mesmo tempo, perto de casa e dos meus entes queridos”, diz, com um leve sorriso.

O negócio continua à distância

Para migrantes como ele, as redes sociais são muito mais que um passatempo. São uma ponte digital que encolhe oceanos e fronteiras, uma ferramenta de preservação cultural, resiliência emocional e até de gestão profissional. Manjang, que trabalha como gestor de projetos, sabe que essa ligação também tem um lado prático. “Mesmo antes de viajar, usava as redes sociais com muita atenção porque, através delas, conseguimos perceber fenómenos que estão a acontecer nos nossos próprios países e que nós nem sabemos, porque são noutra cidade, por exemplo. Agora que estou longe, as redes ajudam-me a diluir um pouco a nostalgia e a saudade. Uso-as para me reconectar com a minha equipa e família e para gerir e monitorizar o progresso dos meus projetos ao longo dos anos”, explica.

Em Santarém, a pouco mais de uma hora a norte de Lisboa, Alieu Kebbeh, gambiano que trabalha na construção civil, reforça o papel central destas plataformas. Não são apenas instrumentos para manter conversas superficiais ou sobre as suas rotinas, são instrumentos de verificação de informação e de reforço do envolvimento comunitário. “As redes sociais servem como fonte de confirmação de certas afirmações vindas de casa. Podemos facilmente obter atualizações sobre desenvolvimentos políticos ou socioculturais. Levam-nos para casa, mesmo vivendo longe”, sublinha Kebbeh.

Recorre a estas redes para participar em reuniões comunitárias virtuais, verificar o andamento de obras na sua terra e continuar ativo nas decisões familiares. “Para mim uma das coisas mais importantes é o contacto visual com a minha família, mas também é importante conseguir atualizações fáceis sobre o que se passa em casa e possibilidade de participar nos processos de decisão sem estar fisicamente presente”, diz, descrevendo uma rotina que já se tornou natural para muitos na diáspora.

Ver um casamento por Whatsapp

O impacto emocional é profundo. Para Ebrima Sabally, 37 anos, gambiano a viver em Doha, no Qatar, o nível de reconexão que as redes sociais permitem é quase impossível de medir. “O grau de reconexão e a sensação de quase continuar a viver na minha terra que as redes sociais proporcionam é incrível, é vital para nos mantermos firmes em terras estrangeiras. Falo com a minha família e amigos sempre que quero. Falar com eles todos os dias reduz o meu stress e faz-me sentir menos melancólico”, afirma o segurança numa conversa com o Expresso, através, claro, das redes sociais. Lembra-se de um curto, mas doloroso, período em que não pôde trocar o cartão SIM. “Foi como estar em confinamento solitário. Não podia falar com a minha família, amigos, ninguém. Fiquei desligado dos acontecimentos políticos e sociais da minha terra.” Ainda há poucos dias viu todo o casamento de um amigo de infância através de uma chamada de vídeo pelo Whatsapp.

Uma app para ver as aves da família

É aqui que a experiência de Sanna Drammeh, 31 anos, outro migrante gambiano radicado em Lisboa, de momento à procura de emprego, acrescenta uma nova dimensão à história: a proteção dos bens que deixou na Gâmbia, tudo através das aplicações que tem no telefone. “Através das redes sociais e da tecnologia, consigo vigiar a minha casa na Gâmbia com uma aplicação móvel que liga o telefone às câmaras.

Há uns meses, conseguiu alertar em tempo útil os familiares para a presença de um intruso, evitando o roubo das aves domésticas”, o sustento da família. Em Lisboa, liga a aplicação no telemóvel e consegue ver todos os cantos da sua propriedade. Drammeh acrescenta que usa o Facebook para se manter atualizado sobre os acontecimentos atuais, reagir de imediato e contribuir para a construção do país, mesmo vivendo a milhares de quilómetros. “Sempre que quero ouvir sermões religiosos, recorro ao YouTube para interagir com antigos mentores e líderes religiosos. Já não escrevo longas cartas que poderiam demorar meses ou anos a chegar.”

Integração sem apagar herança

Trabalhos académicos mostram que as sociais funcionam como um arquivo informal de tradições e identidade partilhada e ajudam na integração, uma vez que aliviam o sentimento de solidão. Além disso, são uma forma de agência, o migrante pode fazer-se ouvir, pode expor injustiças, pode manifestar-se a favor ou contra coisas que estão a acontecer no país de acolhimento. Transmissões em direto de cerimónias religiosas, vídeos de pratos tradicionais e mensagens de anciãos da comunidade tornam-se “artefactos digitais” que preservam costumes para a próxima geração, especialmente para crianças nascidas e criadas em Portugal. Esta abordagem, muitas vezes chamada de “integração sem assimilação”, permite às comunidades adaptarem-se ao novo ambiente sem apagar a sua herança. Ao mesmo tempo,

No entanto, a ponte digital também tem fissuras. A exposição constante a acontecimentos no país de origem pode intensificar o sentimento de ausência, sobretudo quando os migrantes veem familiares celebrarem momentos importantes sem a sua presença. Há também uma pressão implícita para retratar a vida no estrangeiro como uma história de sucesso, escondendo as dificuldades e desilusões da migração.


Há o risco de se criem “bolhas digitais”, nas quais os migrantes ficam tão imersos no mundo online da sua terra natal que perdem oportunidades de se integrarem na sociedade de acolhimento. Umestudo de 2024 sobre literacia digital entre migrantes em Portugal revelou que, apesar do acesso generalizado a smartphones e internet, existem diferenças significativas na eficácia da utilização dessas ferramentas, muitas vezes determinadas pelo nível de educação e pelo contexto socioeconómico.

Apesar destas limitações, a capacitação continua a ser o tema dominante. Manjang, Kebbeh, Sabally e Drammeh descrevem as redes sociais como um mecanismo que não só preserva ligações, mas também fortalece a capacidade de viver no estrangeiro e, simultaneamente, contribuir para as suas comunidades de origem.

Iniciativas como a da Casa do Brasil, em Lisboa, com o apoio do Programa de Apoio às Associações de Imigrantes do governo português, utilizam estas plataformas para combater a desinformação e desafiar estereótipos sobre migrantes, por exemplo. Estes projetos demonstram o poder das ferramentas digitais para moldar a perceção pública e promover o entendimento intercultural.

Esta dupla existência estar fisicamente em Portugal, mas digital e emocionalmente participante noutro lugar — é o que os sociólogos chamam identidade transnacional. Os migrantes de hoje podem ser cidadãos de dois mundos, tomando o seu lugar em debates políticos, rituais culturais e no quotidiano do seu país de origem, enquanto constroem uma vida na Europa.

“É a tecnologia que nos mantém inteiros”, reflete Sabally. A história das redes sociais e dos migrantes em Portugal é, em última análise, uma história de resiliência e adaptação. Trata-se de criar um sentido de lar que seja portátil, acessível e independente da geografia. E trata-se de uma verdade mais profunda: no mundo digital, o “tão perto e tão longe” pode coexistir na mesma respiração, e a distância, que antes se media em quilómetros e meses, pode agora ser vencida em segundos.

*Jornalista da Gâmbia

Este artigo faz parte do Migrant Media Project, desenvolvido pela Associação Pão a Pão em parceria com o Expresso e com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian