Os profissionais de saúde e a qualidade da informação que transmitem são o ponto forte do Serviço Nacional de Saúde (SNS) na ótica dos utentes, que elegem os tempos de espera como ponto fraco.

Segundo o Índice de Saúde Sustentável, desenvolvido pela NOVA Information Management School (NOVA-IMS) e que será apresentado esta terça-feira em Lisboa, a qualidade percecionada pelos utentes relativamente aos serviços subiu ligeiramente, de 72,4 para 73,7. As diferenças entre ambos têm vindo a esbater-se desde 2020.

Já a qualidade técnica do SNS, que avalia critérios como a percentagem de cirurgia em 48h (fraturas da anca), a mortalidade por AVC (hemorrágico ou isquémico), a prevalência de quedas, as cirurgias em ambulatório, os reinternamentos em 30 dias e a incidência de úlceras de pressão (escaras), tinha caído em 2023 para 66,5% e no ano passado manteve-se praticamente inalterada (66,7%).

Na ótica do utente, é no estado de saúde (78,5 pontos) e na qualidade de vida (78,2 pontos) que a eficácia do SNS tem mais impacto. Contudo, os utentes consideram a eficácia dos medicamentos (73,7) superior à dos cuidados de saúde recebidos (70,6).

Os níveis de satisfação e confiança mantêm-se globalmente estáveis, sem alterações significativas, com exceção para os cuidados de internamento, que registam uma avaliação mais positiva.

Globalmente, os utentes continuam a considerar o preço do SNS adequado e apenas 11% considera o valor das taxas moderadoras do SNS inadequadas.

Contudo, os utentes continuam a ter uma perceção errada dos valores das taxas moderadoras: 25% considera que se pagam taxas que atualmente são gratuitas, como as consultas com médico de clínica geral ou médico de família no centro de saúde, a consulta externa hospitalar ou o internamento.

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Relativamente aos episódios de urgência, os utentes têm igualmente uma perceção errada, pois o valor apontado é de 13,82 euros quando os valores reais variam entre 14 euros (urgência básica), 16 euros (urgência médico-cirúrgica) e 18 euros (urgência polivalente).

Quanto aos medicamentos, dos 94% que tomaram em 2024 algum medicamento prescrito pelo médico, 10% (valor que se manteve) optou por não comprar algum deles devido ao seu custo.

"O sistema, de um ponto de vista geral, tem gerado satisfação e, sobretudo, confiança, em todas as valências, particularmente em valências como internamento, em que a satisfação e a confiança são altíssimas, quase de 90 pontos na escala 0 a 100, e as mais baixas, claro, são nas urgências, como seria de esperar", disse à Lusa o coordenador do estudo, Pedro Simões Coelho.

O responsável destacou ainda o facto de, no internamento, a satisfação e a confiança dos utentes estarem alinhados - "quer dizer que se está a apostar num serviço que está alinhado com aquilo que é a confiança do cidadão" -, destacando que, na urgência, "é onde há maior 'gap' entre as duas coisas".

"O que é que isso significa? É que as pessoas não estão satisfeitas com o que se passa na urgência, mas no fim do dia têm uma grande confiança naquilo que lá se faz", acrescentou.

Sustentabilidade do SNS sofreu em 2024 a terceira maior queda da década

A sustentabilidade do SNS voltou a cair em 2024, pelo terceiro ano consecutivo, e teve a terceira maior descida da década, apenas superada por 2020, ano da pandemia.

O Índice de Saúde Sustentável indica que a sustentabilidade do SNS, medida numa escala com o nível-base de 100 pontos, passou de 84,8 pontos em 2023 para 79,9 pontos no ano passado, uma quebra apenas superada pelo ano da pandemia, em que a sustentabilidade passou de 101,7 em 2019 para 83,9 em 2020. Sem o efeito da pandemia o valor atingido em 2020 teria sido o nível de sustentabilidade mais elevado de sempre (103,6).

Pedro Simões Coelho lembrou que este valor representa uma tendência do que já vinha a acontecer: "Mais uma vez, o que justifica é uma queda na produtividade, entendida esta produtividade como a relação entre a atividade e a despesa".

"A atividade cresceu a um ritmo, estimamos nós, de 1% e a despesa cresceu a um ritmo superior a 10%. Quando é assim, a produtividade cai. Se a produtividade cai, cai o índice", acrescentou.

Os dados recolhidos, que serão apresentados no Centro Cultural de Belém (Lisboa), apontam para um aumento da despesa de 11%, que não sendo acompanhado por igual aumento da atividade (que apenas cresceu 1%), resulta globalmente numa queda da produtividade - medida pelo número de doentes tratados por milhão de euros de despesa -, que atingiu em 2024 o valor mais baixo dos últimos 10 anos (185).

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O Índice de Sustentabilidade do SNS "não cai pela qualidade, pelo contrário, a qualidade está estabilizada e até com ligeira tendência de subida, nem sequer pela acessibilidade, que até teve, quer do ponto de vista técnico, quer do ponto de vista percecionado e sentido pelos cidadãos, também ligeiras subidas. Teve exclusivamente que ver com esta relação entre o crescimento da despesa e o crescimento da atividade", explicou o responsável.

A "acessibilidade técnica e percecionada", que avaliam o acesso aos cuidados de saúde, registaram uma ligeira melhoria em relação a 2023. Segundo os dados do Índice de Saúde Sustentável, a acessibilidade técnica, que considera valores como as primeiras consultas em tempo adequado, inscritos em lista de espera, episódios de urgência atendidos em tempo previsto e utilização da capacidade disponível de hospitalização domiciliária, subiu de 49,7 pontos para 51 pontos, mas mantém-se como "uma das dimensões mais frágeis do sistema".

O estudo tem ainda uma comparação de dados desde 2018 até 2024, concluindo que a despesa cresceu mais de 50% (passando de cerca de 10 mil milhões de euros para 15,55 mil milhões de euros) e a atividade cresceu menos de 10% (de 2,66 milhões para 2,85 milhões de doentes).

Nestes seis anos, o índice de sustentabilidade passou de 102,9 para 79,9, a eficácia do SNS de 73,3 para 70,9.

Relativamente ao índice de sustentabilidade, Pedro Simões Coelho lembra que o importante é olhar para a tendência.

"Até poderíamos dizer que neste ano em concreto há justificações para isso, porque este foi o ano [2024] em que houve uma valorização das carreiras e dos salários dos profissionais de saúde. Portanto, há um crescimento da despesa que é induzido por essa valorização dos profissionais, que há muito era desejada, e isso não tem efeito automático no sistema. (...)".
"A maior atração no futuro, maior capacidade de criação, maior envolvimento (...). No fundo, o efeito dessa valorização em termos de despesa vê-se logo em 2024, mas os seus efeitos positivos só se verão a uns anos", disse.

Como ponto positivo aparece mais uma vez a redução da dívida vencida, que voltou a cair em 2024 (-35%), passando de 0,45 mil milhões de euros para 0,29 mil milhões de euros, mantendo a tendência descendente dos últimos anos.

Os dados recolhidos registam ainda uma redução do défice (-217%).

"Isso é uma nota muito positiva, porque, se calhar, em tempos passados o Estado português transferia despesa para os fornecedores e agora não é o caso, não têm sido os fornecedores a financiar o défice, pelo contrário, esta dívida está cada vez mais baixa, portanto, isto é uma nota positiva, a par com o facto de termos bons níveis de qualidade e de acessibilidade, que não estão tão bons, mas, de qualquer forma, até têm uma ligeira tendência de crescimento", concluiu.

Investimento no SNS permitiu retorno de 9,5 mil milhões para a economia

O investimento no Serviço Nacional de Saúde no ano passado permitiu um retorno económico de 9,5 mil milhões de euros, superior em 2,9 mil milhões ao valor de 2023.

Segundo os dados do Índice de Saúde Sustentável, quase metade dos portugueses (46%) faltou pelo menos um dia ao trabalho em 2024 por motivos de saúde e 10,8% faltaram mais de 20 dias (6% em 2023).

Contudo, a prestação de cuidados de saúde pelo SNS permitiu evitar uma ausência laboral de dois dias, representando uma poupança de mil milhões de euros.

Os cuidados prestados no SNS permitiram ainda evitar a perda de 10,3 dias de trabalho por pessoa, o que se traduziu numa poupança adicional de 5,3 mil milhões de euros.

No total, somando o impacto no absentismo e na produtividade, o SNS permitiu uma poupança global de 6,3 mil milhões de euros por via dos salários.

Considerando o impacto da poupança por via dos salários e a relação entre produtividade/remuneração (valores referência do INE), o estudo conclui que os cuidados prestados pelo SNS permitiram um retorno para a economia de 9,5 mil milhões de euros.

Em declarações à Lusa, o coordenador do estudo explicou: "O impacto no absentismo caiu ligeiramente (...) e o impacto na produtividade (...) cresceu muito significativamente, ou seja, no geral, tem havido uma subida do efeito do SNS na economia, que se tem feito sentir, sobretudo, por via do presenteísmo".

"E porquê? Tem a ver com o fenómeno pós-Covid, que foi a uma gestão mais flexível do trabalho, que muitas vezes pode ser feito remotamente e, nos últimos anos, o SNS tem estado a contribuir menos para que as pessoas não faltem ao trabalho, mas mais para que as pessoas não percam a sua produtividade por via da degradação do estado de Saúde e do seu bem-estar", explicou.

Os dados do estudo indicam que a maioria dos portugueses (74%) considera o seu estado de saúde "bom" ou "muito bom".

Quando questionados, numa escala de 0 a 100, os portugueses classificaram o seu estado de saúde em 75. Sem o contributo do SNS, esse valor seria de apenas 66,6, o que revela um ganho de 8,4 pontos atribuído diretamente ao impacto dos cuidados prestados.