Diagnosticar os males do Sistema de Saúde em Portugal é fácil pois os buracos estão à vista de todos, remendando-se provisoriamente uns, enquanto outros se vão abrindo.

O SNS, base da assistência pública acessível a todos, foi excelente quando foi criado há quase cinquenta anos. Embora ainda mantenha alguns serviços de excelência foi-se degradando por não se ter adaptado a uma sociedade radicalmente diferente. De acordo com Darwin, foram os que melhor se adaptaram que sobreviveram.

O preço dos cuidados de saúde tem aumentado exponencialmente, entre outras coisas, como consequência do progresso médico com inovações farmacológicas e tecnológicas, muitas das quais sem uma vantagem custo-beneficio claramente demostrada.

Há um estímulo cada vez maior ao consumo em cuidados de saúde cujo foco principal é o lucro, como se a Saúde fosse uma atividade comercial como qualquer outra. A potenciar esta procura de cuidados de saúde, estão as expetativas exageradas nas possibilidades da Medicina.

É inaceitável que em algumas clínicas privadas se tente condicionar o ordenado dos médicos ao número de exames pedidos ou à chamada taxa de conversão, que é o número de consultas que vai resultar em cirurgias.

Há clínicas a anunciarem a oferta de radiografias gratuitas como brinde por exames ou procedimentos efetuados!

E os hospitais públicos, são um paraíso de ética e virtude?

Claro que não. Basta olhar com atenção para a perversão de alguns programas da chamada produção adicional nalguns hospitais, ou para pressões administrativas de redução cega de custos que ameaçam a boa prática médica e desmotivam os profissionais.

Não existe uma ética para os hospitais públicos e outra para os privados. A boa ou má ética, seja qual for a natureza da instituição de saúde, depende dos médicos.

A chamada medicina defensiva é cada vez mais frequente em parte porque estamos a viver tempos de grande desconfiança, intolerância e individualismo. Esta, para além de encarecer extraordinariamente a medicina, aumenta de riscos para o doente, ao sujeita-lo a exames desnecessários e não isentos de risco. Por vezes parece que se está a viver um estado de guerra civil, pessoa a pessoa. Pode ter também um efeito contrário e igualmente perverso: inibir o médico de tomar atitudes que embora com riscos, podem ser importantes para tratar o doente. “O medo mata o coração”. Este clima degrada a relação médico-doente.

Quer o cidadão comum, quer o Estado quer as entidades privadas, a breve prazo, deixarão de poder pagar tratamentos de qualidade aceitável.

Os seguros só o conseguirão fazer com aumento incomportável dos prémios ou assegurando apenas cuidados baratos, mas de fraca qualidade. Os hospitais privados, também serão vítimas desta escalada, porque terão que cobrar preços cada vez mais altos incomportáveis para os doentes e entidades pagadoras.

O problema da sustentabilidade de Sistemas Públicos de Saúde é global podendo chegar-se a um ponto em que estes são maus e os bons serão para muito poucas pessoas. Um cunhado meu radicado nos EUA tem um seguro de saúde familiar que lhe custa uns milhares de dólares por mês. Há umas semanas, por uma dor lombar recorreu ao Serviço de Urgência dum Hospital, tendo-lhe sido pedida uma TAC lombar, que não mostrou lesões relevantes. Ao fim de uma hora teve alta com medicação sintomática. Por curiosidade foi ver a conta que o hospital apresentou à companhia de seguros: 12 mil dólares!

Qual será a solução?

Só há um caminho: a reforma estrutural do Sistema de Saúde oferecido aos Portugueses, encarando-a como um imperativo de interesse nacional.

E como será esta reforma? Tomara eu sabe-lo.

No entanto, existem princípios subjacentes a qualquer reforma global do Sistema de Saúde, nomeadamente:

1 – A saúde não pode ser um negócio como qualquer outro, venda de automóveis, apartamentos ou eletrodomésticos. Não se pode aceitar a sua essência meramente comercial, reduzindo-os a um bem de consumo e o doente a um cliente.

2 – Só existe uma Medicina, a centradas nas pessoas.

3 – Promoção de literacia em saúde, divulgada forma clara, mas fundamentada na Ciência. Também deverá incluir conceitos universais de dignidade humana, de compaixão e de beneficência, não esquecendo a difusão de uma cultura de respeito e de motivação de quem cuida dos outros.

4 – Ter em conta que, quanto pior for o SNS, piores irão ser os outros sistemas de saúde e vice-versa

5 – Cooperação e articulação com Serviços Públicos de Saúde dos Estados Membros da União Europeia para a resolução de problemas que são ou irão ser comuns a todos, pois se nada se fizer, no futuro nenhum país conseguirá, isoladamente, fazer frente aos desafios que os seus Sistemas de Saúde irão enfrentar.

4 – Encontrar possíveis mecanismos de financiamento que permitam Sistemas de Saúde sustentáveis, acessíveis e equitativos.

Assente nestes princípios é urgentemente a reforma radical do Sistema de Saúde, encarregando para esta Missão um Grupo de Peritos idóneos, com competência reconhecida em diversas áreas da saúde e a trabalhar a tempo inteiro, com um prazo pré-estabelecido para terminar esta tarefa. Esta Equipa deverá ser maximamente profissionalizada pois a saúde é demasiadamente séria para ser reformulada com amadorismos. Este trabalho deverá ser em exclusividade, e a equipa dever ter à sua disposição toda a logística e infraestruturas necessárias.

Este grupo responderá exclusivamente à Assembleia da República.

Aprovada a proposta, deverá ser rapidamente implementada o que só é possível com uma revisão de regulamentos administrativos bloqueadores de todas as inovações e mudanças em todos os setores da sociedade portuguesa.

António Sarmento, Chefe de Serviço no CHUSJ e Professor Catedrático da FMUP