"Recentemente, quando pedi informações, soube que a Polícia Judiciária tinha fornecido informações à Comissão de Assuntos Eleitorais, acusando-me repetidamente de promover ilegalmente a eleição do chefe do executivo por sufrágio universal, o que é ridículo", considerou o deputado, numa intervenção na Assembleia Legislativa (AL), antes da ordem do dia.

"Devo reiterar aqui que a eleição do chefe do executivo por sufrágio universal, que defendo tanto dentro como fora da legislatura, está em plena conformidade com os procedimentos constitucionais", disse o deputado, um dos mais antigos no território, eleito pela primeira vez em 1992, sete anos antes da transferência de Macau para a China.

O parlamentar do campo democrata sublinhou que em 2012 o próprio vice-presidente do comité permanente da Assembleia Nacional Popular da China, Qiao Xiaoyang, "explicou publicamente, em Macau, que não excluía a possibilidade de haver na RAEM [Região Administrativa Especial de Macau] o regime de sufrágio universal para a eleição do chefe do executivo".

"Assim, não existe, de modo algum, qualquer ilegalidade quanto ao referido sufrágio universal", concluiu, apelando ao chefe do Governo para que inste a comissão eleitoral a "retificar o seu erro político".

Em 2019, o atual chefe do executivo, Ho Iat Seng, admitiu a possibilidade de instituir o sufrágio universal para a eleição do líder do Governo no território, ainda durante o seu mandato, recusando, no entanto, definir uma data.

Ho Iat Seng foi eleito em setembro de 2019 por uma comissão eleitoral, composta por 400 membros, representativos dos quatro setores da sociedade, tendo sido o único candidato.

Numa publicação na rede social Facebook, o deputado António Ng Kuok Cheong divulgou ainda imagens do processo transmitido pela Polícia Judiciária à comissão eleitoral, "com mais de 200 páginas", e ironizou com a "eficiência" com que as provas contra si foram obtidas.

"Olhando para a informação, há muitas coisas estranhas, mas mostra que as autoridades são 'muito eficientes', verifica-se que a Comissão [eleitoral] só pediu informações à polícia em 02 de julho (não só sobre mim, como sobre todos os grupos e candidatos) e as informações foram fornecidas pelas autoridades em 04 de julho, só no meu caso, há mais de 200 páginas de material, com explicações textuais, ricas em conteúdo", escreveu na publicação, divulgada na terça-feira.

O deputado mostrou também uma das fotografias transmitida pela Polícia Judiciária à comissão eleitoral: um encontro com o antigo líder do Partido Democrático de Hong Kong e ex-deputado Wu Chi-wai, detido no início do ano com mais 52 ativistas, acusado de violar a lei da segurança nacional imposta por Pequim à ex-colónia britânica.

A Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa (CAEAL) excluiu cinco listas e 20 candidatos das eleições para a AL agendadas para 12 de setembro, 15 dos quais associados ao campo pró-democrata, por não serem "fiéis" a Macau.

Na segunda-feira, o organismo divulgou sete critérios usados para decidir se os candidatos são elegíveis, defendendo que é necessário avaliar se estes "defendem sinceramente" o território, mas recusando revelar quais as violações de que são acusados os excluídos.

Vários deputados falaram hoje sobre o caso na AL, antes da ordem do dia, a maioria para defender a decisão da comissão eleitoral.

O deputado pró-democracia Au Kam Sam, que não se recandidata, foi uma das poucas vozes a contestar o 'chumbo' dos candidatos do campo democrata, acusando as autoridades de interferir indevidamente no processo eleitoral para excluir as vozes críticas do parlamento.

O deputado Sulu Sou, impedido de se recandidatar, tal como António Ng Kuok Cheong, aproveitou o período antes da ordem do dia para fazer uma declaração emotiva sobre o seu mandato, afirmando que exerceu o cargo cada dia "como se fosse o último" e desejando felicidades ao território.

A AL é composta por 33 deputados, mas apenas 14 são eleitos por sufrágio universal, sendo 12 escolhidos por sufrágio indireto (através de associações) e sete nomeados pelo chefe do executivo.

A exclusão de candidatos às eleições de Macau surge depois de a China ter aprovado uma polémica reforma eleitoral em Hong Kong, em março, para garantir o "patriotismo" na cidade semiautónoma e restringir a oposição pró-democracia, através do controlo reforçado dos candidatos às legislativas.

Dias depois da reforma eleitoral em Hong Kong, o chefe do Governo de Macau prometeu "empenhar todos os esforços" para implementar o princípio "Macau governado por patriotas".

PTA (MIM/JMC) // LFS

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