"Deve esperar-se um pouco mais para sairmos deste impasse político e ser mais tolerantes nesta fase, para não provocar saltos nas decisões do Governo", disse à Lusa Mari Alkatiri, secretário-geral da Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin).

Alkatiri reagia à notícia avançada pela Lusa no sábado de que o Governo timorense quer criminalizar difamação e injúrias em resposta a situações de ofensa da honra, do bom nome e da reputação de indivíduos e entidades, na comunicação social e nas redes sociais.

As medidas propostas, introduzidas num esboço de decreto-lei de alteração ao Código Penal, preparado pelo Ministério da Justiça e ao qual a Lusa teve acesso, preveem penas de prisão para casos de difamação e injúrias, para o crime de ofensa ao prestígio de pessoa coletiva ou equiparada, e o crime de ofensa à memória de pessoa falecida.

"O Governo considera oportuno prever e punir determinadas imputações de factos ou juízos suscetíveis de os ofender, introduzindo no Código Penal os crimes de difamação e injúrias, o crime de ofensa ao prestígio de pessoa coletiva ou equiparada, e o crime de ofensa à memória de pessoa falecida", refere-se no texto.

Mari Alkatiri considera que este não é o momento oportuno para aprovar este diploma, pedindo cuidado na elaboração do texto e vincando que tal como está a proposta pode violar aspetos da constituição.

"O conteúdo da proposta é bastante polémico. E levanta algumas coisas que não têm nada a ver com a nossa cultura e muito menos são razoáveis em termos de conformação com a própria constituição", afirmou Alkatiri.

"Isto é uma proposta, mas se aplicarmos o que está aqui, podemos estar a pôr em risco o direito à liberdade de expressão", explicou.

Apesar de contestar elementos da proposta, Alkatiri admite que em certos casos, a difamação deve estar criminalizada, considerando que "depende da gravidade do caso" e de a "haver uma intenção de atingir objetivos políticos".

"Se a difamação vem carregada de intenção deliberada de provocar danos a alguma pessoa ou pessoas, naturalmente que deve ser criminalizada", afirmou.

Mas, sublinhou, a lei não pode confundir jornalismo com redes sociais e que esta questão deve ser tratada de forma separada.

No caso do jornalismo, Alkatiri insiste que os profissionais do setor devem atuar de forma "imparcial" e "investigar cada caso cuidadosamente, de forma consistente", para evitar alguns problemas que pontualmente surgem nos media nacionais.

"Nas redes sociais temos que lidar com isto de forma clara e frontal. Tem que haver uma lei específica sobre isso, mas não se pode generalizar. E não se pode confundir isso com o jornalismo propriamente dito", afirmou.

Alkatiri recorda que as redes sociais em Timor-Leste atingem "uma vasta audiência" e admite que, em "certos momentos da vida política", alguns comentários ou publicações "têm provocado danos".

"Mas deve introduzir-se qualquer criminalização desta questão com cuidado e não misturando com jornalismo", afirmou.

A questão do tratamento que deve ser dado à difamação em Timor-Leste tem sempre suscitado polémica, com um setor a defender a sua criminalização e outro a considerar que deve ser tratada a nível do código cível.

O facto da difamação ter sido usada, no tempo da ocupação indonésia, com uma 'arma' para calar vozes criticas, sustentou o segundo argumento que vingou até agora.

A difamação chegou a estar no primeiro projeto do Código Penal, elaborado pelo primeiro Governo depois da restauração, liderado pela Fretilin, que acabou por não ser promulgado pelo então Presidente da República, Xanana Gusmão.

O Código Penal acabou por ser aprovado depois pelo IV Governo, liderado por Xanana Gusmão, com esta secção de calúnia, difamação e injúria removidos.

Atualmente o Código Penal tem apenas o crime de "denúncia caluniosa".

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