
O presidente do Conselho Europeu António Costa considera que as atuais mudanças na Europa correspondem a ciclos políticos, “mais à esquerda ou mais à direita”, que vão e vêm, mas afirmou que há países que “abusam” fazendo eleições em menos de um ciclo eleitoral. Numaentrevista à agência Lusa focada nos temas da Europa, o ex-primeiro-ministro português arriscou fazer uma leitura da política nacional, ainda que de forma indireta, deixando recados que podem ser entendidos como sendo dirigidos a Luís Montenegro e ao anterior líder do PS, Pedro Nuno Santos, bem como ao Presidente da República, por terem sido os responsáveis por ter havido duas eleições legislativas no espaço de um ano.
“Em regra, de quatro em quatro anos há eleições em todos os países, depois há países que abusam dos ciclos políticos e têm eleições em menos de quatro em quatro anos”, diz António Costa à Lusa numa entrevista de balanço dos primeiros seis meses do seu mandato como presidente do Conselho Europeu, onde disse que a Europa não pode ficar "impávida" face a Israel, e onde criticou os gastos em defesa à custa do Estado social.
Costa respondia a uma pergunta sobre a viragem à direita na política europeia e a perda de terreno da social-democracia, de que Portugal foi um dos últimos exemplos. Foi o único momento onde falou de política nacional, e sugeriu que, depois de o PSD ter vencido (por um triz) as eleições em 2024 e de o Chega ter crescido para 50 deputados nessa altura, tal era apenas o reflexo da onda europeia e o melhor que o PS tinha a fazer era deixar passar - e esperar. “Os ciclos são assim, às vezes há umas forças dominantes, depois há outras forças, chama-se a isto alternância democrática”, disse.
E os ciclos, lembrou, são de quatro anos, apesar de o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, já ter alertado há muito para o problema dos mini-ciclos em que Portugal parecia enredado.
Para António Costa, a história tem mostrado que os ciclos políticos se sucedem, “uma vez os eleitores votam mais à esquerda, outra vez votam mais à direita”, pelo que há que aguardar pelos próximos ciclos eleitorais. Para o ex-primeiro-ministro, que se demitiu com uma maioria absoluta do PS em mãos, houve um "abuso" quando o país foi novamente a votos um ano depois, com os resultados que se conhecem: o PSD ganhou, o Chega reforçou-se e o PS passou a terceira força política.
No atual cargo há seis meses, o político assume que o seu papel fundamental é “focar o debate político” dos 27 chefes de Estado e de governo que compõem o Conselho Europeu, conduzindo os trabalhos para que tendam “todos a ter uma posição comum sobre os diversos temas”.
Para tanto fez uma inovação ao limitar as reuniões apenas a um dia e libertar tempo para o que diz ser importante: ter uma discussão política “mais rica e com profundidade (…), fundamental para podermos chegar a acordo”.
“Estamos a falar de uma União de 27 Estados que olham para o mundo com posições geográficas muito distintas, culturas muito distintas, que são das famílias políticas mais diversas, portanto, o que é verdadeiramente extraordinário é que, apesar de toda esta dificuldade, temos não só vontade de estar juntos, como de decidir em conjunto e em 99,9% das vezes chegamos a acordo”, sublinha o presidente do Conselho Europeu.
Assumindo declaradamente que hoje tem uma visão diferente da Europa de quando era primeiro-ministro – “antes via-a a partir de Portugal e dos seus interesses” e agora tem “a perspetiva do interesse geral” – António Costa diz que, apesar de todos os contratempos e imprevistos, a Europa tem cumprido o seu papel.
A título de exemplo, cita a pandemia, o surto inflacionista e, agora, uma potencial guerra comercial com o principal parceiro comercial: isto “também é uma novidade e a Europa está a procurar gerir essa situação”.
“Não é a Europa que gera a incerteza. A Europa é mesmo um fator de certeza, estabilidade e previsibilidade neste mundo de incertezas”, destaca, para sublinhar que no atual mundo multipolar, o papel da Europa é “defender um sistema internacional baseado em regras, defender o multilateralismo e (…) empenhar-se em desenvolver uma rede de relações multipolares no mundo.
É neste contexto que cita as várias cimeiras realizadas nos últimos tempos, com Reino Unido, Canadá, África do Sul, países da Ásia Central, dos Balcãs Ocidentais, às que se vão seguir, no segundo semestre, com o Japão, China, Brasil, países da América Latina e das Caraíbas e com a União Africana.
Para o presidente do Conselho Europeu, a intensidade das relações internacionais tem sido “verdadeiramente impressionante”, o que faz com que o mundo veja a Europa “como um parceiro que é leal, que é previsível e que é de confiança”.
António Costa continua a defender a ideia de que a União Europeia é um “edifício multifunções”, em que cada país se enquadra naquilo que considera melhor, porque esse dinamismo é “a forma como a Europa tem sido construída”.
“Se no futuro quisermos avançar mais para novos domínios, é natural que essa multifuncionalidade se vá desenvolvendo no espaço da União, é uma questão que entrará necessariamente nos debates nos próximos tempos, visto que, em paralelo com as reformas que os países candidatos têm de fazer para concretizar o alargamento, é necessário também fazer a reforma interna das instituições europeias para o poder acomodar”, conclui.
No dia 1 de dezembro de 2024, António Costa começou o seu mandato de dois anos e meio à frente do Conselho Europeu, sendo o primeiro socialista e português neste cargo.