"O mito da exemplaridade da escola francesa funciona contra nós, porque nós não somos bem pagos. Nós acreditamos na escola pública, mas o Governo está a destruí-la. Considerar a escola como um sítio que serve só para ocupar as crianças, como acontece desde março de 2020, é uma catástrofe", denunciou Antonela, diretora de uma escola primária no 20º bairro em Paris, à Lusa.

Esta diretora de escola juntou-se a milhares de pessoas que hoje marcharam nas ruas de Paris para assinalar uma greve que paralisou mais de 30% das escolas públicas em França, incluindo escolas primárias, escolas básicas e liceus.

A principal reivindicação é o fim do novo protocolo sanitário, apresentado no início da semana pelo primeiro-ministro, Jean Castex, com três testagens obrigatórias para os alunos e manutenção das turmas mesmo com casos contacto, novas medidas que visam assegurar o funcionamento normal das escolas.

"Tivemos conhecimento dos novos protocolos no outro domingo à noite pelas notícias. Segunda-feira foi um caos infernal, com pais em pânico a virem buscar os filhos para serem testados [à covid-19]. E passado uma semana, o primeiro-ministro diz que afinal vamos fazer de outra maneira. Os pais estão perdidos. Ontem as crianças foram testadas na minha escola e tenho sete em dez turmas com casos positivos", declarou Antonela.

Há atualmente mais de 10 mil turmas em França sem aulas devido à covid-19, muitas delas por falta de professores. Na manifestação, os profissionais da educação denunciaram que não há professores de substituição devido à falta de pessoal e contratos precários oferecidos pelo Estado.

"O mais complicado é que não há professores substitutos neste momento. Não há ninguém que substitua os professores que estão doentes com covid-19. Mas este já era um problema que existia, a pandemia só tornou visível um problema de falta de pessoal que já existia", denunciou Laurence, professora de ensino especial há 40 anos.

A constatação para quem chegou há pouco tempo à escola pública é a mesma.

"Estamos fartas. É o nosso primeiro ano a dar aulas e estamos a aperceber-nos de que é uma situação difícil. A segurança sanitária dos alunos não existe, nem a nossa. É bom fazer protocolos, mas é impossível aplicá-los no dia-a-dia", declarou Adele, professora do ensino básico nos arredores de Paris, que veio com a colega Caroline à manifestação.

A jovem professora dá como exemplo a dificuldade de ter cadeiras suficientes na sua sala de aula no início do ano, para demonstrar os problemas com os quais são confrontados os professores no seu quotidiano.

Para além das dificuldades da falta de meios e ligadas à crise sanitária, estas duas professores relatam que os alunos estão "sob tensão".

"Os alunos estão sob muita tensão e desmotivados. Pensam que estão de férias porque há tantos professores a faltar, tantos alunos que não vão à escola, que não querem trabalhar. Têm também medo de apanhar covid", explicou Caroline, que dá aulas aos quinto e sextos anos, nos arredores da capital francesa.

Estes são tambem medos ressentidos pelos mais pequenos.

"As crianças estão muito fragilizadas. Desde logo porque têm de usar máscara na escola o que é difícil para eles. Nunca sabem se ficam na escola ou não por causa dos casos e isso cria tensões. Ensinar tornou-se muito difícil", descreveu Antonela.

A manifestação acontece num momento tenso para o Governo, já que daqui a quatro meses decorrem as eleições presidenciais e muitos dos cartazes que desfilaram esta tarde na Boulevard Montparnasse pediam a demissão do ministro da Educação, Jean-Michel Blancher.

Este protesto foi mesmo ponto de passagem para os candidatos de esquerda, com Jean-Luc Mélenchon, candidato da extrema-esquerda, e Anne Hidalgo, candidata socialista, a participarem no cortejo.

Os sindicatos franceses da educação vão hoje ser recebidos no final do dia por Jean Castex de forma a procurar novas soluções para a crise sanitária nas escolas francesas.

Também os autarcas marcaram presença na manifestação, já que em França, uma parte da gestão das escolas primárias cabe aos eleitos locais. Mélanie Davaux, vice-presidente da Câmara de La Courneuve, no departamento de Seine Saint-Denis, diz-se solidária com os professores.

"Nós partilhamos as reivindicações dos professores e dos pais dos alunos. Nós sabemos que é uma crise difícil de gerir, mas precisamos de meios suplementares para enfrentar esta situação e a educação foi abandonada. Não é fácil saber de um momento para o outro que os protocolos mudam pelas notícias", indicou.

Para esta eleita local, que gere uma cidade onde 42% da população vive abaixo do limiar da pobreza em França, as soluções para a crise sanitária da covid-19 têm de passar também pela inclusão dos eleitos locais na tomada de decisão.

"Pedimos ao Governo que confie em nós. Que confie nas pessoas que estão no terreno, nos professores, nas autarquias. Precisamos todos de mais meios, mas também de bom senso, em vez de protocolos completamente desajustados da realidade. Queremos um lugar à mesa nesta crise sanitária", disse Mélanie Davaux.

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